18.4.10

O de sempre é diferente.

Hoje percebi um grão de milho, desses de pipoca, no chão do quarto. Embora pequeno, causava um desconforto infantil ao vê-lo ali, inerte e sem função. Passava em meus afazeres sem deixar de olhar e, por vezes, pisar. Como não me furtar à sua trajetória possível, às circunstâncias que o impuseram o destino, o acaso ou o grande sei-lá- o -quê a participar da minha vida? Quantas crianças o desejavam crescido e com manteiga? Quantos pubescentes insuportáveis amansariam a ansiedade latente afrontando-lhe as mandíbulas em flor no escuro de um cinema? Quantos? O vasto mundo das possibilidades e suas questões mais comezinhas. A vida pela vida. A falta de sentido absoluta e a abertura a interpretações mil.

Eu, arrebatada por um milho, já velho, no chão. Eu, desprezando a lógica do acaso e de análises combinatórias capazes de explicar o etéreo, me prendia à poética do nonsense, à poética da poesia por si só, à centelha do nascimento e morte das melhores intenções. Senti que não era capaz de tamanha doação, assim, a quem não se conhece. Senti a limitação trabalhada no medo e nódoas que o tempo nos oferta, senti que minhas defesas me faziam, àquele momento, pequena. Creio já ter sido melhor. Eu, tão intuitivamente versada em sílabas e amor incondicional. Eu, que só tenho a respiração.

8 comentários:

Isaac Frederico disse...

O talento de sempre da Rachel de abordar coisas dos mais diferentes espectros, de uma maneira seja agradável ou incômoda, mas que nunca falha em causar impressão.
Adorei a reflexão do texto.

Heyk disse...

é, foi no mesmo momento que postei o a chuva lá no meu, né? e estranho, a sensação era a mesma, alguma incompletude rasteira nossa ao ver a grandeza ou a tititiqueza das coisas...

é, os ventos batem pra todos.

Rachel Souza disse...

é... os ventos batem pra todos, o que nos diferencia é o destino que damos a eles.

Arthus disse...

era só um milhozinho... se fosse uma porção você passava a vassoura, né?
=p

Rachel Souza disse...

Rs! provável, Arthus...

Anônimo disse...

Rods: Eis a pipoca por puro gosto. Agora a coloque na boca.

Rachel Souza disse...

é o que resta.

Leo Curcino disse...

esse é um modo de ver um pequeno detalhe insatisfório de nossas vidas que de tão pequeno e insignificante, torna-se algo grandioso e toma formas complexas.

que abordagem diferente. e pensar que tudo começou com um milho de pipoca jogado.