13.4.10

Motivo, sentido, certeza e tesão

O artista profissional para sê-lo tem que conhecer quantos arcabouços instrumentais? 1 - O de ser artista, conhecer técnica e poéticas que envolvam seu ofício de criar lugares mentais e categorias de pensamento, objetos de contemplação estética e de reflexão, o artista tem que ser um atualizador de potencialidades virtuais. 2 – O de ser projetólogo, pelo advento nos últimos vinte anos de um mecanismo de financiamento à arte que tem cara de mecenato, mas no fim a financia com dinheiro público e que exige justificativas, contrapartidas, objetivos e apresentações em um novo idioma, o da projetologia. 3 - O de relações públicas, deverá ter boa relação com captadores de recurso, advogados e contadores, e claro, marqueteiros das empresas, que no papel são as, financiadoras da arte no Brasil. Nenhum desses caras citados tem qualquer coisa a ver com o mundo da arte, porém se colocam como intermediários instrumentais para a viabilização dos processos artísticos, sim cobram pedágio, e acredite eles e não os artistas foram os que mais lucraram com esse mecanismo que vem junto com a democracia no Brasil, recente. 4 – O de professor, ainda assim: sabendo ser artista, projetólogo, relações públicas, o artista não paga suas contas na íntegra, e precisa dar aulas: de auto cad, de dança, de violão, oficina de poesia, pintura, edição de vídeos, e aí cumpre ainda um outro papel: o de formador de público crítico ou interessado no mínimo, para contemplar as artes que ele, o artista desenvolve, mesmo que esse aluno não venha a ser assim tão artista quanto seu professor.

O artista então, mesmo formando alguns interessados no ofício acaba sendo além de tudo isso, público. Ele é a maior parcela presente no cinema de autor, nos espetáculos de teatro e dança contemporâneos, o único que lê autores vivos, o único que escuta música instrumental e experimental, o único que vai a galerias e assiste a performances. Logo, o artista se torna além do já exposto, o cliente final de todo o processo artístico. Pesquisa sua linguagem para desenvolvê-la e tem suas questões para com elas oferecer essas tais novas categorias, para isso bate projetos, projetos que nem o pagam bem, e nem formam público, então dá aulas para completar o orçamento e acaba criando aluninhos que vão vê-lo se apresentar, tudo isso para que o artista possa fazer arte. E no fim o artista na plateia olha o espetáculo do outro artista e pensa: esse cara não entendeu nada, com isso não vai tocar ninguém. Acho que outro ponto precisa ser incluso: 5 - o de interlocutor, dada a fragmentação da contemporaneidade; todos falam línguas outras e ninguém se entende, e nem se sente inquieto com as inquietações do outro.

Talvez essas novas já velhas e caducas condições para o exercício do ofício artístico sejam um jeito pra fomentar pesquisas artísticas em profundidade, pra formar olheiros pra arte, pra encher bolsos de advogados, para fazer o artista ir ver o amigo artista no seu espetáculo, mas acho que falta alguma coisa.

9 comentários:

Victor Meira disse...

Texto bom pra caralho, Heyk. Isso aqui é verdade, mano. Verdade saída da nascente, boa, lúcida:

"O artista então, mesmo formando alguns interessados no ofício acaba sendo além de tudo isso, público. Ele é a maior parcela presente no cinema de autor, nos espetáculos de teatro e dança contemporâneos, o único que lê autores vivos, o único que escuta música instrumental e experimental, o único que vai a galerias e assiste a performances. Logo, o artista se torna além do já exposto, o cliente final de todo o processo artístico."

Tem que ser lido, é questão de urgência, como o resto das coisas na vida. Lido por quem faz e por quem não faz arte.

Heyk disse...

é esqueci de falar que também é só o artista que lê toda a crítica de arte.

Victor Meira disse...

Hahahaha.

Henrique Maeda Smith disse...

Quando o mundo ficou rápido demais para o exercício da contemplação, a arte, juntamente com seus subprodutos, virou coisa pra artista ver?

Tulio Malaspina disse...

Boa Heyk! Novamente colocando a pau o produto, produtor e consumidor desse movimento.
Será que a arte, devido ao seu entropísmo, sua singularidade, não é uma produção de nicho?
Será que falta instrução para a população ou falta compreensão do artista?
Digo: Se o artista quer ser entendido, por que não fala a lingua das pessoas que quer que o compreenda?

Felipepepe disse...

Do mesmo jeito que um Diretor de Arte reclama que apenas "artistas" viram sua exposição de pinturas, um médico não poderia reclamar que apenas doutores e estudantes de medicina viram sua palestra sobre saúde?

Arte como lazer ok, mas o "artista" que quer um advogado refletindo sobre suas obras fica discutindo o impacto de novas leis (caso não o atinjam diretamente)?

Talvez essa visão meio egoísta que leve a esse "69 artístico"...

Heyk disse...

olha, legal essa questão do interesse,
felipe - olha como configuro o jogo: o cara deve ter algumas profissões, alguns hobbies e ser cidadão.
então, dá pra ser essas cinco coisas que pontuei do texto, mais gostar de arquitetura, pesca náutica e botânica ou mecânica de motos, e ainda, e isso mais obrigatoriamente, estar ligado nas leis, nos trâmites da política pública como um todo, e nas ações dos diferentes atores da sociedade civil que geram algum impacto.

henrique - será que a culpa é da velocidade do mundo, mundo da não contemplação? sabe, não sei se é velocidade, mas concordo que contemplar tá difícil, nada a favorece, pelo menos.

túlio - isso aí é o pau. o cara não se entende nem com o nicho. Porque se fosse heavy metal, ia dar pra todos conversarem, mas arte não é coisa de gueto. Na arte nem nos guetos de arte a galera se entende. e não serviria pra nada também se fosse coisa de nicho e ponto. Mas entram mesmo questões como essa: se o cara aprende o idioma da projetologia, por que não aprenderia o do povo? educação é sempre uma questão, e até brinco com ela ali: o artista dá aula pra formar público. E é danado, porque se o cara tenda falar a língua do povo e faz uma instalação com uma música da joelma, logo aparece alguém falando que o cara quer ser o paulo coelho das artes plásticas, que quer forçar a barra em ser pop.

Bourdieu já dizia: o espaço pra arte é feito pra espantar gente que não conhece os códigos que são necessários para digeri-la. Ele chama A distinção pra essa parada, essa necessidade que grupos tem de se descolar da realidade e apenas trocar entre si.

Guto Leite disse...

Salve, poeta, um grande texto e com várias boas questões! Coisa pra ganhar horas discutindo e todos chegando em novos lugares. Acho que só gostaria de pontuar que essa diferenciação entre arte e arte do povo, que ficou muito acelerada a partir do início do século XX, ganha tons dramáticps neste novo século, como o tamanho da indústria do entretenimento. Acho que daí vem a sensação do Henrique de que arte vira prática de nichos e, por outro lado, também a sensação do Felipe de que é uma técnica como outra qualquer (talvez seja). Acredito que este tempo (o único que tenho, aliás) é da especialização do artista, como você colocou ao elencar os atributos, e da desespecialização da arte. Bom pelo lado da desmistificação da figura do artista, ruim pelo lado de que Nelson Rodrigues e Maria Adelaide Amaral são vistos como figuras de igual relevância artísticas. Mas com esse abismo, criado pelas elites (mantido, ao menos, também via Bordieu), entre a vanguarda (que medo desse termo) e a arte consumida pelo povo (sim, novela é arte, mas com a forma do século XIX), o que os artistas devem fazer? Grande abraço e parabéns pelo espaço, moçada! Tá massa!

Caco Pontes disse...

e uma turma que se intui não lerem-se, têm mudado as perspectivas...

no calendário maia, tempo é arte
na sociedade capitalista, time is money
vem o francisco e simplifica:
computadores fazem arte / artistas fazem dinheiro
seria a filosofia de buteco, mera perda de tempo
ou por ventura, falta de consolo!?