15.7.09

Só Comentado – ou pra quem já viu

Não é de hoje que reconheço a importância crítica-cinematográfica do diretor Stanley Kubrick, homem por trás de clássicos como 2001, Uma Odisséia no Espaço e Laranja Mecânica, lugar incomum do texto. Mas agora, após assistir a sua fita Dr. Fantástico, pude ter mais elementos e fragmentos estourados na cara para confirmá-la, recomprometendo-o, a Kubrick, como um oficial seríssimo do cinema mundial de criação. Nesta produção de 1963, o feito mostra-se viral e demolidor, idéia que, já consagrada em seu tempo, mereceu 3 Oscars – incluindo melhor diretor e roteiro adaptado –, quando, para todos os sentidos verdadeiros e estatuetas bobas, para todos os defeitos e furos no tapete vermelho (este que radicalizou estendendo-se até hoje, e nos bastidores, não sendo devolvido às prateleiras, como algumas ideologias da corrida cultural-armamentista, as modas atrevidas de volta, fãs, às araras faladeiras, como quilômetros de rolo gasto, não nos painéis ou nas lentes de mira de Kubrick), premiavam-se realmente coisas decentes e definitivas, ou, se não isso, ao menos, tentava-se mais, arriscavam mais, academia e filmes; paravam até, para sugar as amoladas atenções, a ficção aérea de uma Guerra Fria furada, puxando uma rabiola de dizeres e produtos comicionados, sem muito sentido, de efeito fugaz, dando em um míssil perdido – por reflexo, no filme, retratado bem maior, em todo um equipamento humano historicamente desastrado: Dr. Fantástico, ou a própria capacidade diretora, despropositadamente cega, em fazer menos do que isso! Cinema também é propaganda, não fechemos os olhos a isso, e quem conseguir driblar a rabiola, sem ser à brasileira! Sim; este, naquela época, foi Oscar certo; deixava-se vazar! A festa como a confraternização era quase fantástica, não obstante a gola puída e de contenção de seus misteres(ojos) doutores, apertados igualmente nos pouco mais de 90 minutos de película solta, na garganta, pelo fio dos telefones vermelhos; e por mais da produção perfeita, holly-passaport em mãos, em terra ianque, só não entravam mesmo pingüins de verdade, disciplinadamente laboriosos na Sibéria, preservando do medo ecológico que, de fato, só viria com os 90 (minutos de jogo ou sem mais o Brasil? miniatura amazoneada, hONGer: acadeiamia e leitros, queimavam menos a rosca?). Mas com 90 anos, ou seus filhos sem choque, ou herdeiros de gosto, ou parcerias em locadoras, estão aí até hoje, pocket-cu-toros, cu-telos, da vaidade e da violência no Oscar; menos o homem Stanley Kubrick, não obstante o rastro de fogo que segue. Seu Fantástico, mais ou menos azarão. Mas azarou bem mais foi qualquer contenda nas opiniões. O filme, artisticamente e por mensagem, é uma bomba, em material liso, durável, descoreografa chama para todos os lados. Não é hoje nem o bom e amargo Obama, nem, pudesse não sê-lo, o arriado Partido Comunista. Todos paranóicos por cinema. Apertados nos gatilhos anódinos das cadeiras, lado a lado.
Dr. Fantástico narra o episódio, mais ou menos fictício durante o baile exibido e ao mesmo tempo enrustido da Guerra Fria, em que um desencontro de ordens oficiais das respectivas áreas de controle militar norte-americana e russa – como uma pisada em falso no pé em pleno salão cheio de embaixadas cruas e alheias, só pela tecnologia impossível da cisma humana – teriam se desentendido e muito além das ameaças públicas, começasse-se ali, secretamente e de verdade, um ataque e, consequentemente, a sua retaliação eminente. As mais eficientes bombas estariam em jogo; o pior mal estar até ali; melhor atacar primeiro ou preparar duplamente o troco? A via de fato da ameaça colorida.
Com performances plenas de Peter Sellers (em mais de um), dentre outros, o filme abusa em tempo real – a década de 1960 como produção vídeo-televisiva (absorventes e contaminadores programas de guerra revelados, as panorâmicas de helicóptero) e, algo menos, reprocessamento crítico dos fatos, com algumas atuações e contra-atuações, o bater o martelo de sentidos e com/por/ta/ti/men/tos, a maior circulação cultural de bens simbólicos – das possibilidades de uma guerra de grandes proporções entre duas potências ameaçar a paz de todos na terra. Propõe-se o desafio em negociações e mesquinharias, a testar-se o poder de fogo destruidor. Kubrick, lança-se a um B-52 e critica de cima, isento, todo o processo – quem explode tudo no final são os russos mas, num cinegolpe de mestre, o recado implacável escrito nas ogivas dos mísseis vai em cheio na cara do presidente americano da época, Hey there, Dear John (Kenedy). Ali, o telégrafo já era coisa do passado, conquanto aparelhava-se mais a falta de guerra; mas os códigos ainda podiam mudar destinos, os mais congelados que fossem, pela maquinaria egoísta e luxuosa dos homens – após a merda desaprovada, viajando e derretendo ao mesmo tempo, restariam pedidos histriônicos de paz, deslizantes e sem relevo, se não medidos a tempo; o macho largasse do prazer de se achar reconhecidamente eficiente com generosa antecedência, largando da garrafa sem controle, reprodutora de si. Pela atitude, o diretor já falava abertamente da enorme capacidade de em nenhuma maneira, por qualquer hipótese, acabar bem aquela dança, o jogo de salão, a exibição de modelos políticos, de regimes alimentares e de novas modas de conquista e acusação cavaleiresca. Detona sem vez a um e outro, sem mais réplica e tréplica ensaiadas, a coleção outono-inverno de armas pontiagudas e ideologias previamente enguiçadas como formas de vida rígida e engrandecimento piloto. Dali ninguém mais passaria, não bastasse as credencias exemplares de poderosos. Muito delas ficou. Mas ainda o que sê, pouco ou muito modificado pelo tempo, agora mais embutido pela diplomacia e o falso moralismo, é o mesmo duelo infantil, como o apresentado pelos atores numa refrega física em plena reunião formal de partes, cena impagável – e, de fato, as partes agora podem ser muitas outras, representando outros países e modos de conquista pessoal em todas as áreas possíveis e, tantos anos de negociação e filmes depois, ainda sem destino certo. A mostrar, aquele alemão bélico a serviço de todas as formas de destruição humana, egresso do nazismo, o próprio doutor perfeito, interpretado por Sellers (que, talvez até por isso, o ator troca tanto de pele no filme), sem “obediência digna” a ninguém. O formalismo nele, como se viu, era só o usado na cadeira de rodas, possivelmente, senão explosiva, uma arma protetora. Alguma coisa do que deixamos entrever; ficar à mostra e encenar a cena. Deu no que deu e ainda não se esgotou. Só o impróprio Peter Sellers, arriscado (Oscar esse ano também, vazou mesmo, geral), que também se foi; uma pena, não vê-lo mais queimando no meio mais arrasador de Kubrick. O meio-ambiente liso, deslizante. Deixaram-nos então, por documento paparicado e sem mofar, uma amolação esparançosa da história – por material ainda bem durável. Uma bomba; talvez sem proporções antes dele; apenas ameaças de se alugar na locadora do Oscar, e até hojos, na dieta, como eu.

Rod Brittto, 2009 – Rio de Janeiro / Brasil. gratoporlembrar@gmail.com

2 comentários:

Luna disse...

Eu vi o filme...
Siiim, Peter Sellers foi pleno [e é em todos]... mas, quem surpreende nesse filme é o George Scott, dosa comédia e seriedade no papel de uma maneira incrível, deixando o clima mais próximo da insanidade e da paranóia da guerra fria!
Um filme que ridiculariza a raça humana em toda sua estupidez.
Como pode se fazer uma guerra total? Que idéia de guerra é essa que não guarda sobrevivente?
A frase do presidente Sellers é maravilhosa: "...não podem brigar aqui no salão de guerra!" [algo assim, não é? ôô cabeça avoada essa minha]
De fato, brigar na sala de guerra é aniquilar tudo.
Não seria a sala de guerra o planeta?!
Fora a cena dos exércitos brigando diante de uma placa onde se lê "nosso negócio é a paz"
Foora a cavalgada na bomba H, rs.

Será que o Bush não tinha um assistente fantástico? Acho que o Bush, como o Sellers, atuava em mais de um papel. rs.

...

Por achar que esse comentário ficou tosco, mandei por e-mail para Rod Brittto.
Poorém, que se dane.
Comentei.

Rod disse...

Acréscimo crítico, pontualíssimo. Valeu Luna, um abraço, Rod.