29.7.09

"Podia-se acreditar neste passado

como se o tivéssemos vivido pessoalmente. A imagem fotográfica deu origem a uma recordação coletiva."


Somos introduzidos, desta forma, ao que poderia carregar o fardo, carinhosamente, de Parto da Fotografia. Marc Scheps nos deixa entre a pintura e a fotografia em plena infância, sonhando através dos homens.

Da pintura para foto, da foto ao cinema, e a cobra, do rabo à cabeça. E se todas as lacunas que poderiam ser ocupadas, o foram, então sobraria à fotografia, por senso geral, o sub-posto de recordação coletiva, vinculada ao distrito da memória.

Um disparo, num anseio que beira o turístico, faz surgir uma memória perdida, e imagem exata. Assim como grande parte dos sonhos são em preto e branco, por falta da necessidade de informação de cor, a recordação fotográfica muitas vezes se isenta da memória, e existe por si, para si. É como congelar frente à escova de dentes, pois aquele ato cotidiano de vai e vem foi, subtamente, contestado pelo cérebro.

Neste exercício do inconsciente, a boiar atemporal onde as ondas se enterram, passei algumas horas a pescar, aqui e ali, fragmentos fotográficos. Como nos negativos de fundo de gaveta, submergi em anos de brutos antigos, procurando nas fotos aquilo que não mais haveria em mim.


"Bela"

"Este portão é destinado a ti, e somente a ti"


"Sei qualé"

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.saravá

3 comentários:

Carina disse...

E não é que Henrique Smith escreve mesmo?!

É interessante como temos a necessidade desses registros...para perpetuar em objeto uma memória que talvez vá embora. Hoje não se pode mais confiar na memória, parece.

Levando a citação ao sentido literal, lembro da minha irmã caçula, olhando minhas fotos de infância e perguntando, "Mãe, onde eu tava nessa foto?" e, tadinha, receber a resposta, "Essa não é você, Luanda, é a Carina."

Há uns tempos atrás achei nas coisas da minha mãe uma foto dela num lugar lá em Lisboa. Fiquei olhando a foto pasma, porque eu tinha estado lá em sonho no ano passado...

Sei lá, acho que a fotografia tem um poder de reverberar nuns lugares...

EduBarreto disse...

Jirumba é arte pura e tem o incrível dom de se reinventar. E este, como disse Arnaldo Baptista, é o verdadeiro artista.

Com uma sensibilidade à flor da pele, não é preciso mais que um tapinha na cabeça, para que como se derramasse água de um copo revele algo novo.

As fotos marcam um olhar, um instante, algo que vai passar. Mas elas criam vida, e toda vez que revemos, o instante se torna diferente.

Boa, Jay. Manda brasa.

Victor Meira disse...

O que eu gosto nessa história é a relação que mais de uma pessoa tem entre memórias e uma nova experiência. Porque, diferente da memória, a fotografia é uma existência do presente, tangível e incontestável. Lembrei do trecho de Valsa com Bashir, em que mostrava-se a várias pessoas uma mesma foto forjada, que retratava um parque de diversões, e perguntava-se: "Você se lembra deste dia? Você estava com seus pais, era um domingo ensolarado. Lembra?". A fotografia iludia a memória de 80% dos entrevistados: "ah sim, me lembro". Os outros 20%, quando submetidos novamente à mesma pergunta, começavam a se "lembrar".

Gosto muito da primeira foto. A divisão da paisagem pelos quadros da janela faz com que cada um desses quadros tome relevância em seu momento de protagonismo. Enquanto o olho vaga, cada um deles forma um quadro novo, e só depois vê-se tudo holisticamente, como no primeiro momento.

Muito bom o post, Jira. Como eu disse, a reflexão fez meu pós-almoço sorrir. E a Carina tá certinha: o texto tá caprichado, cheio de poesia e requinte. Cheio de figuras boas.
Viva!