3.5.08

Interrompido

Que fez, menino trapo?
Que carrega tanto fardo
Que reflete tanta dor na carcaça-escarro
Que mendiga um olhar, um pão, um trato?

Que fez molambento das ruas por aí?
Que há tanta fome de ti estampada
e ela grita dos teus olhos que te acudam
Pelo amor da Virgem Imaculada.

Que fez, desgraçado?
Ignorado?
Abondonado?
Despachado?
HUmilhado?
Cuspido?
Ofendido?
Abafado?

Que carrega nas costas o caixote-adorno do
......................................sapato fino-trato.
Que carrega nas costas o desamor e o pecado calado.
Que carrega em si a esmola escassa.
Que só carrega menino-desgraça,
Menino-engraxate coberto de limo,
Menino-mendigo vestido de trapo.

6/10/2004 Guila Sarmento

Em demonstrato à obra plena. Esse aí é a página 30 do Filho de meu pai, de Guila Sarmento, de 2008, publicação da Ibis Libris, mais eu prefiro considerar como publicação independente. Autores como Rod Brito e Tavinho Paes já chamaram a atenção para esse volume leve, 40 páginas. Filho de mau pai é a primeira publicação solo em formato tradicional do Guila, esse poeta-sonho-e-verve que a gente topa na rua, no metrô oferecendo poesia como quem oferece tapioca ou coador de café pras empregadas domésticas, pros estudantes, pros executivos, bandidos e pra polícia. Junto comigo e com Xisto da Cunha, esse guri que está pelos 28 anos, é um entusiasta da sintaxe sintética, da poesia rápida, poderosa, o relâmpago no papel, da poesia de rua, que no formato descartável leva popularização da arte tida por menor, ou pior, por hiper-erudita, cá nesse império luso-tupi-nagô. Em formato de asfalto, publicou Os treze piratas em 2007, com mais de mil e quinhentas cópias vendidas, e agora vai às ruas com Na trilha do amor, ambos com oito páginas.
Nessa primeira viagem do Guila às letras oficias, vem e tem muita coisa boa. Ali tá uma junção poderosa de paixão gostosa e contemplante no bom humor e ardência que paixão que é paixão mesmo tem, com uma coisa de dar tiro do olho, que a denúncia, colada na proposta da zona livre, trazem um poesia política de enfrentamento, de insurgir, de largar o santo e chamar pra briga.
Filho de meu pai é prato cheio e não tem erro. É prato cheio porque o Guila e a obra dele, em conseqüência, são filhos disso mesmo: dum Rio sem parada; de uma coisa que engasga mesmo e que não adianta dissolver com cerveja; de um real que é absurdo, de mais um absurdo, de tantos outros, diário; de uma proposta de levar arte-verdade pra quem não muda o canal da tevê; de delegar pra arte também o papel de mostrar caminhos; de um momento em que o artista ou é autótrofo ou tá fora. E assim me colo nesse cara. Vamos juntos falar: "Gosta de poesia, senhorita?" nas saídas do Arco Verde.

Um comentário:

Anônimo disse...

Conheço essa estrada, reguei-a com minhas melhores lágrimas, algumas gotas de sangue e alguns sorrisos. Hoje são só lembranças.
Bjos.
Rafael (pai da Rachel Souza)