1.1.11

Funk

Esse fim de ano na praia foi recheado de música. Desde cedo o pessoal ligava o som alto, e até rolaram uns rocks e uns sambas - mas o que predominou foi o funk, o pagode, o melody (funk suave, pop) e o sertanejo. A tônica é a diversão, e aí vale tudo o que nos refresca a memória e nos faz voltar a um tempo colorido, época em que não nos preocupávamos em escolher o que escutávamos (antes dos tempos da ânsia pela identidade). Volta e meia eu brinco com o Chammé: "porra, como é que eu sei essa letra?". Mistério; a gente aprende das paredes, do asfalto, do semáforo que exala esses sons.

O lance é que o funk carioca (e outros rítmos superpopulares mas marginais na grande mídia) tem me chamado a atenção nos últimos tempos, num sentido mais musical do que em qualquer outro. Digo, na força da batida marcada, que inquestonavelmente desperta um impulso dançante, como tambem o faz o Reggaeton. O estilo é simplório, mas não e besta. É bem sério. E não tô falando do conteúdo das letras, nem do evento antropológico que a coisa é, em si.

O funk carioca é um fenômeno curioso, porque nasceu do Miami Bass e de gravações freestyle americanas dos anos 80, sem instrumentos musicais além da drum machine, que faz o batidão em loop - e aí mais tarde entrariam os atabaques (do tamborzão) e melodias simples, mas tudo sempre com samples, pra deixar rolando e repetindo. Aliás uma das características do estilo é justamente a pouquíssima variação entre os temas, já que a melodia é fator menor e a batida não possui muita variação. Trocando em miudos, é um estilo bastante hermético e simplório, cujo foco se concentra todo nas letras. Aí sim chegamos no firmamento do estilo. Como diz a Wikipédia (com seu doce jeito naive de dizer as coisas),

"o funk é a expressão autêntica das comunidades de baixa renda, e as letras de conteudo sexual refletem a libertinagem (sexual freedom) da realidade brasileira. Sociologistas dizem que o conteúdo das músicas reflete a vida das pessoas pobres que vivem em más condições devido ao envolvimento insuficiente do Estado nas favelas".

Alex Bellos, jornalista, escreveu no jornal inglês Guardian:

"Pro ouvido desacostumado, o funk carioca não mudou quase nada em 15 anos. Os temas continuam sendo feitas sob a premissa "copiar e colar" em pequenos estúdios na favela. Samples de hits do momento são usados (ilegalmente) pra compor os temas."

Speed, funkeiro, diz:

"O lance do funk é pegar melodias de outras músicas pra todo mundo saber cantar. (...) É um bocado de letra louca com o mesmo tema. O Funkeiro é um cara simples que faz um som simples".

A certa altura da cadeia lógica que o pensamento histórico sobre o estilo suscita, surge a comparação do Funk com o Samba. A coisa é obvia: ambos os estilos possuem um berço parecido, nascem a partir da mistura de outros estilos musicais, da mistura de culturas, e exprimem a realidade da favela. Hermano Viana atira:

"O Samba foi muito importante quando começou, porque foi a expressão que deu um sentido de comunidade para os bairros pobres. Hoje, o Funk - assim como o Samba - é o orgulho da favela."

E aí a internet tá cheia de gente se debruçando sobre o tema, uns exprimindo revolta e ofensa, repugnância em relação às letras (como no blog http://antifunk.blogspot.com/), outros defendendo a expressão cultural como algo sincero, honesto, genuíno. A Sally, do blog Desfavor, articula, entre outros pontos, assim:

"Quando Marisa Monte canta "Molha eu! Seca eu!" é licença poética, quando Mc Roba Cena canta 'Mas É EU que vou escolher, a melhor posição' (MC Roba Cena, Catucadão) é um imbecil, ignorante, analfabeto. (...) MPB tem romantismo, sutilezas e poesia (coisas que eu abomino), enquanto funk tem realidade nua, crua e sangrando, não raro palavrões e conotação sexual em suas letras. Acho honesto."

No fim do dia, é a batida do Funk que soa mais alta hoje na favela. Letras e fenômeno antropológico de lado, o estilo musical é mais imune à agenda dos hits da grande mídia (e ao culto ao novo), e tem os bailes (não o rádio) como lar-doce-lar. A mesma batida de 20 anos atrás ainda acompanha as novas rimas, e o ritmo vai ganhando território no imaginário musical brasileiro. Acho que não tarda pros joãogilbertos do funk começarem a surgir pra "sofisticar" o estilo e reinterpretar o beat. Aliás, confesso que tentei achar algo como funk-politizado, funk-intelectual ou funk-jazz por aí. O mais perto disso que eu encontrei foi o hit do Cidinho e Doca, tema do Tropa de Elite. Fail.

Se alguém souber de mais coisa, grita.

Ah, esse vídeo aqui é interessantíssimo também, sobre o MC Catra (recomendação do Jira): http://vimeo.com/11670066 e recomendo também o artigo sobre o Tecnobrega (com entrevista com o diretor do Creative Commons Brasil) na edição de setembro de 2010 da Le Monde Diplomatique: http://miniurl.com.br/hU7u7

Dá-lhe funk, cachorra.

6 comentários:

Anônimo disse...

Funk a mil!!! carioca desejante, me criei com essas letras sonoras e que ainda hoje me dão indicações originais e livrinhas do que ser e pensar, onde bater, reagir e tal!!!Abraço nos comentadores do Vitor e nele, Rod Britto.

Leo Curcino disse...

começou o ano de mente aberta, sem preconceito. esse video do Catra é animal! curti pacas.

é isso aí, man. feliz ano novo!

joêzer disse...

a Sally diz que abomina sutileza, poesia e romantismo. e quem não gosta de funk é exatamente porque gosta de sutileza, poesia e romantismo.
a defesa do funk repete a defesa do samba de camymmi: quem não gosta de funk, bom sujeito não é. ou não gosta de pobre ou não gosta da "realidade, nua, crua e sangrando".
esse argumentozinho besta já tem pra mais de 50 anos.

Marcelo Ventura disse...

Olha, lá pros idos de antigamente (anos 80? anos 90?), tinha um funk que fazia algum sucesso no Rio.

Não era exatamente politizado, mas expressa claramente uma angustia presente no cotidiano dos moradores das diversas comunidades próximas aos e nos morros.

O nome é Rap do Silva (acho eu). Sua estrutura é bem simples e, reforçando o que já foi apresentado no post, é um batidão em loop com uma letra.

Vale a pena conferir, seu o autor ainda estiver interessado no assunto.

Um abraço

Victor Meira disse...

Valeu pela referência, Marcelo! Ouvi o Rap do Silva, é exatamente o que você falou. Bacana, achei legal, vou escutar mais algumas vezes.

Abraço!

MURILO disse...

Du karai!!! Morte aos funkeiros!!!