3.8.10

Sobre best sellers, críticos literários e outros devaneios

Sustentando uma postura humilde e despretensiosa, ouvi atentamente o que Dona Pilar tinha a dizer sobre meus feitos literários. Ela começou a analisar sintaticamente, frase por frase, palavra por palavra. Elogiou alguns trechos, criticou outros, mencionou as orações que gostou e as que odiou, levantou reflexões filosóficas sobre minha banguelice literária, argumentou sobre a importância do estudo de Letras, começou a teorizar sobre estudo dos discursos, valor semântico e dialética, emendou n'um sem pulo incrível uma discussão sobre a superioridade das línguas latinas, citou Homero, Sócrates e Platão e na mesma levada, como qualquer pseudo-intelectual que se preze, começou a criticar os best-sellers, os livros de vitrine, Paulo Coelho, Dawn Brown e Sidney Sheldon, tudo assim bem pouporri. Me lembrou muito um pocket que li do filósofo alemão Arthur Schopenhauer, na qual, com um tom de amargura assumida, ele criticava duramente os escritores contemporâneos e a fragilidade das línguas Inglesa e Francesa. Se estivesse vivo, será que gostaria de ver uma obra sua virando pocket? A propósito, o que os intelectuais pensam dos pockets? Enfim... Foi uma conversa totalmente ilenear que ganhou corpo e terminou com devaneios.

Peguei ali qualquer livro da prateleira e comecei a folhear. "A hora da estrela" de Clarice Lispector. Gosto deste livro. Gosto de Clarice. Foi pura sorte. Peguei aleatoriamente. Como o assunto já não me agradava mais, comecei a fazer que sim com a cabeça. A melhor forma de encerrar um assunto é concordando com ele. Concordava sem ver nem ouvir nada.

__Olha só essa notícia. Paulo Coelho está lançando um livro novo e vai dar uma tarde de autógrafos na Livraria Cultura. Eu acho absurdo esse cara ser o escritor brasileiro mais lido no mundo, ele nem sequer é escritor. Sua literatura é vazia e mundana. Esse mundo está perdido. - disse ela revoltada.

__E olha a pose dele na foto. Ele se acha! - disse ainda mais revoltada.

Eu parecia um hepilético mexendo a cabeça de cima para baixo daquele jeito, com tanta insistência, e dando aquelas risadinhas amarelas. Não tenho mesmo a menor vocação para crítico literário. Não sei avaliar palavras, não gosto de meter o bedelho em frases alheias. Cada um que cuide da sua caligrafia. E prometo que, se algum dia eu for escritor famoso e conceituado, não vou ser essa pessoa amarga, que critica os escritores populares, que fala mal das histórias que tem intuito de gerar entretenimento somente (como se isso fosse menos nobre) e, principalmente, prometo não deixar ninguém com LER no pescoço.

E à propósito, a conversa com a professora me deu uma baita vontade de ir até a livraria e comprar algum Best Seller bem posudo, um de leitura leve só para descontrair, sabe? Acabei comprando um livro de piadas. Não existe gênero literário inferior. Cada qual tem seu momento. Não existe leitura inútil.

4 comentários:

Victor Meira disse...

Me diz o que você lê, e eu te digo quem você é.

Hahaha, comentário cuzão.

Dei risada do ato falho ali no "Dawn" Brown. Se bem que isso já é tão velho, né? É a mesma coisa de criticar a música pop falando de Strokes e Linkin Park. A onda da vez agora são os vampiros-capricho. (te pago uma breja se vc ler um desses inteiro).

Nem pretendo ser crítico da literatura contemporânea, um Schopenhauer ranzinza como o da Arte de Escrever (se for inevitável, qu'est-ce que je peux faire?). Mas acho que não vou conseguir abrir mão do meu gosto pessoal, quando me pedirem um comentário. Né? Afinal, nós nos somos - nós somos nós mesmos - e é bom viver em primeira pessoa.

E essa coisa de "pseudo-intelectual" é meio mítico, acho que tem mais a ver com quem sente as dores do que com o cara com óculos de armação grossa. Digo porque tenho bons amigos (brilhantes, diga-se nessa fenda) hoje que me foram apresentados, anteriormente, como pseudo-intelectuais, quando na verdade eram bons pensadores, de fato. Aí sempre desconfio dessa classificação. Tenho a impressão de que quem me aborda com essa casaca da intelectualidade quer me impressionar de alguma forma (não é ótimo?), e eu acho louvável. E quando o papo vem fraco, o tiro sai pela culatra e a gente pratica com sadismo o bom e velho sofismo, até fazer quarenta e sete nós na cabeça do sujeito (já inventaram melhores diversões?).

Aliás, conta aí como tá esse livro de piada!

Abraço, Leo!

Guto Leite disse...

Postagem e comentário em alto nível! Gosto do texto do Leo pra fazer pensar, pra matizar a divisão do que seria literatura pesada e de divertimento. Não me divirto com os modernos na maioria das vezes, mas adorei cada leitura. Me divirto muito com Shakespear e Molière. Não me divirto nada com Paulo Coelho e os vampirescos (juro, tá tentei). Me divirti bastante com "O mundo de Sofia", por exemplo. Isso sem contar naqueles que eram uma coisa e viraram outra, como Conan Doyle. Enfim... Por outro lado, vou mais na onda do comentário do Victor. Normalmente a acusação de pseudo-intelectual é mais dor de cutuvelo do que uma crítica à empolação. Das vezes que a crítica é bem feita, normalmente vem de intelectuais como Montaigne ou o citado Sócrates (via Platão). Vale mesmo é criar, gritar e morrer. O tamanho do eco é que diz de que lado do cabo você puxa.

Carina disse...

Adoro como o texto vai criticando os pseudo-intelectuais e vai, ao longo das frases, tornando-se exatamente isso. (propositalmente, creio, pq o exercício tá mto bom)

É complicado o debate dos best-sellers, mas eu por mim acho que a leitura é o entretenimento como formato, então mando um Dan Brown sem problemas. E digo mais, quero um dia escrever meu próprio Código Da Vinci! MWAHAHAHA

Já li vários Sidney Sheldons na adolescência, uns Paulo Coelhos (Brida, o classicão e aquele 11 Minutos, que causou furor um dia por falar de sexo) e Harry Potter. E quer saber? Isso só me dá mais respaldo pra criticá-los todos.

Na cabeceira estão Clarice, Florbela, Pessoa, Saramaguinho (que deus o tenha - e digo isso só para que ele fiquei indignado), Orwell e Huxley... Um Foucaultzinho pra dar um orgasmo intelectual, e uma Beauvoir só pra alimentar a fúria.

Mas a real é que quando vejo uma tiazinha no metrô, vestida de secretária e lendo Crepúsculo, tudo que consigo pensar é "Bom, pelo menos ela tá lendo ALGUMA coisa". Que mal há nisso, coitada? É só a nova versão do príncipe encantado, a nova onda de moralismo do romance idealizado - e sem o soft-porn de um Lady Chatterley...

E sobre os pockets, acho que os filósofos adorariam - a palavra tem poder! Power to the people! Nada como filosofia a R$ 10!! E, by the way, as traduções de Shakespeare da LP&M são incríveis ~_^

Leo Curcino disse...

A Carina captou totalmente a mensagem. TOTALMENTE!

É exatamente isso. Muito obrigado!

Os comentários do Victor, como sempre, bem aprofundados, de alto nível como mencionou o Guto. É isso.

O fato é que o importante é ler. Se mais pessoas usassem seu tempo livre para ler livros "Crepúsculos" e "Harry Potters", já estaria ótimo! Pelo menos, eles estão lendo. Para ler um Shakespear e Molière, como comentou o Guto, a pessoa tem que ter lido um lviro infantil, tem que ter lido as leituras obrigatórias do celular, livros de entretenimento, quadrinhos, enfim. Para entender obras mais complexas, a pessoa tem que começar. E há a necessidade de ler coisas diferentes também, de vez em quando.

É isso. Garanto, não é dor de cutuvelo, minha escrita é totalmente despretensiosa, a história postada é fictícia, não aconteceu de fato. Foi só para pensar mesmo!

Abraços!