9.7.09

Sexo na Caçamba

Foi logo depois que desliguei o laptop. Eram 4 da madrugada e a senhora começava a gritar seus pulmões fora. Juro que queria entender quando ela falava o nome do marido, assim seriam dois novos conhecidos. Porque para ver ela eu nem precisava abrir a janela: pequena, cabelo crespo preso, suéter de tricô rosa, uma saia, sei lá, bege, e com certeza carregava uma sacola de mercado. Pelo timbre de voz tem uns 50 anos, 35 desses consumidos em cigarro, e nem metade disso na relação com o marido. Agora pouco chamou ele de covarde, o que parece justo para alguém que berra toda noite por outra pessoa. No ápice do ato, eu dormi.

Colado no espelho do meu banheiro tinha o recado do Ed, já que a gente nunca acordava no mesmo horário. O da vez era:

- Não consigo dormir. Descobre quem é essa vaca que eu ligo pra polícia.

O tom direto era intimidade, e eu devia essa para ele. Fiquei pensando no meu possível encontro com a senhorinha. Não sei nem se ela tem rosto, e se tiver, vou ficar com medo. Mas eu não era só bondade: queria ver tudo, a senhorinha, o marido dela, e encher minha cabeça com fatos. Precisava enxergar a vida no flagrante, para depois retratá-la.

3h30. Fui à única rua que ela poderia estar. Depois vinha o colégio, e pra lá dele, só se ela tivesse um megafone. Mal sei o que contar da rua para vocês: é normal, bairro do centro, prédios e comércio. Além do silêncio, tinha um casal se pegando, e para não parecer um psicopata na espreita deles, entrei no único café aberto. Sem beber nada, fiquei olhando a rua pelo vitral da fachada, pra ver se algo acontecia. O que acabou me chamando a atenção foi o lado esquerdo do vitral, que mostrava o neon de um sex-shop. Do outro lado desse vidro, o mesmo neon, refletido com letras invertidas, apontava sua flecha vermelha para uma caçamba. Na oportunidade única da piada, pensei: o sexo ali deve ser um lixo. Voltei para casa com o silêncio noturno e nenhum sinal da senhorinha, tampouco do marido.

Ed merecia uma resposta pela minha empreitada. Achei uma caneta e deixei o recado na escrivaninha dele:

- Você matou meus dois personagens. Quero um conto até amanhã.

11 comentários:

Philippe Bacana disse...

excelente Chamequinho!!! pô!

Chammé disse...

uhauhauahauhauhaihaiha.

BACANIS! Que surpresa, fião.
Oia, tive váárias dificuldades. Usei a estratégia que o Lobo Antunes falou na Flip: tem uma hora que o texto cansa de vc e num quer mais nada, numa anaolgia meio sexual.

Fiz isso. Na hora que acabou, puxei a coberta, virei, e dormi.

Bença viu.
Agradecido pela visita.

Victor Meira disse...

Maaaaaaaaaano, que conto legaaal, hahahahaha. Foda, Chammeco, ce ta em casa com as personagens e com a narrativa, ta tudo narrado aa vontade. Uma delicia de ler, mano. Acho que esse eh o conto em que voce ta mais sumido, de alguma forma. Nao sei explicar direito isso. Apesar de eu enxergar as costeletas e o oculos de aro grosso no protagonista narrador, nao ha a presenca fixa de valores costumeiramente chammeicos. Expliquei mais ou menos?

Achei otimo, nego!
Abrazzzon!

Liz disse...

boa chammito!!! uma pena seus personagens terem sido assassinados mais cedo do que deviam. ri desse negocio de"o sexo ali deve ser um lixo." hahahaha.

abraço. tudebonzeaerapeize!

leo (postando da casa da namorada)

Philippe Bacana disse...

ah!! Chammé, Vitão...

tem um teto bacana aí em sampa pra esses dias? haha!
to de ferias e estarei por sampa n domingo e segunda... se pá vo tentar dormir por aí.
qualquer coisa, se tiverem algo a me oferecer, dêem um grito!
incluso, não só o teto, mas... pô! vamo sentar nalgum boteco, prozear, etc?
caramba, aproveitar ferias do peão aqui!

há braços, queridos.

Philippe Bacana disse...

...ah! e sexo na caçamba é a estetica do precario né!!!!

(cês tão reparando que meu problema era falta de internet né? cheguei gentem, cheguei.)

tomazmusso disse...

maravilhoso!!!

Rachel Souza disse...

Bom,bem bom!

Tulio Malaspina disse...

meu querido!!! esse seu humor me faz dar gargalhadas interiores e sorrisos de satisfação!
buenissimo hermano!!
saludos!

Lírica disse...

Resolvi dar uma passada e eis que me deparo com o seu conto bem urdido e surpreendido por um final inusitado. Muito bom.O que vale é poder contar uma boa estória. E se Ed não contar a dele, nós já temos a sua. Hehehehhe.

Chammé disse...

Orrrrraa, galeri.
Abençoados "sejem" por esse carinho todo.

Bacanis, perdão véio, fiz mal uso desse espaço, nem vi seu pedido de abrigo. Precisamos de contatos mais diretos, tipo telefones.

Obrethanks.