16.2.09

A Favor de Nada

Na porta de um bar, no miolo do Rio, perto do Engenho da Rainha, mas que aceitaria fácil transferência pra Ipanema, desde que chamando botequim e a tabela de preços. O amigo arremessa-se pra longe sentadinho nos tijolos. O tal chega...

– Olá, amigo. Que livro você tá lendo? Ih, é inglês? Você sabe ler em inglês?

Com vontade de responder ficção cientifica, mas não, segurou pela página morta, esvaziada, na lente côncava dos olhos de leitura, admirou-se da própria revelia:

– Não, espere, senhor, não se engane: nesse momento é o próprio livro que está me lendo; eu vou só refletindo-me nele; sofrendo-me, de me ver assim, dando-me desculpas, pelos desvarios em português, desculpa, senhor...

– Interessante.

– Atazana; e o que não poderia ser...

– Minha mãe era uma ratazana da leitura; pôs à mesa tudo que é livro pra gente ler mas ninguém quis; escapulia pelo nariz só o cheiro de uns de capa já de areia. Ela falava o bicho...

E este mesmo, que tal, descobrindo uma parede para se apoiar, é o correio, a igreja, o frigorífico com os volumes ressuscitados em ponto, tudo menos o bar, tamanha era a distância derrubada a qualquer passo:

– Amigo, mas você lê quais outros idiomas?

– Uns quinze ou vinte; todos falados da porta pra fora...

– E pra dentro? Além da pinguinha e as compras duras no mercado...

– A fé da igreja.

– Compromisso em mais alguém?

– É fazendo jeito e cena que dói, cowboy. É o coração na maioria das vezes, me desculpe, senhor, é o coração...

– O the heart, né, isso eu sei bem, Jesus Christi – que Nosso Senhor a tenha, minha cheirosa, lindinha e emprestimada mamãe, quentinha...

No que ele chega a sorver os dedos, e ainda ameaça representar também uma nova entrada de chefe ao estabelecimento, a titulo de travar novos conhecimentos... :

– É que ela foi emprestada que nem livro, amigo, logo volta; há de resolver tudo; estará aqui antes de mostrar em inglês nesse teuzinho aí, você me desculpe a invasão e o atrapalhamento, a favor de praça...

Se alguém não sabe ainda, ficção cientifica não é pra ler. É pra tocar de olhos fechados. Seja na praça, no correio, no frigorífico, no heart em cheio, onde der pra cair. Se não mudarmos a tempo nossas respostas, acabamos ratazanas sobre telhas, a concavidade nos estalando, oh yes...


Rod Britto, 2009 – Rio de Janeiro / Brasil.

2 comentários:

Lírica disse...

Confesso que bebi mais de quatro doses dessa cachaça literária que ao derramar-se na cavidade oral tb côncava, tem um buquê de grande acidez com notas apimentadas e amadeiradas que travam a língua e o coração. Depois de uma mais demorada degustação, percebe-se o desdobramento do sabor que se torna mais leve e passa a apresentar toques frugais atrevidos e enala aromas de bálsamo.
Texto rebuscado para ser saboreado com moderação.

tomazmusso disse...

gostei muito do texto...da linguagem diversa, do enredo inebriante, engraçado mas natural. demais, peculiar!!