18.5.08

Ensaia! 3

Saco situação deriva (parte 2)
A poesia já desempenhou o papel de explicar, entreter, fazer cumprir as necessidades de auto-entendimento, apaixonar e trabalhar a noção de inutilidade saborosa através dos tempos, assim como as outras artes. Agora e aqui ela acumula e toma para si o papel de transgressora de linguagens, onde essas são vistas como base e meio do entendimento e relacionamento com o mundo e com os outros, quaisquer tipos de outros; e onde toda forma de existir é permeada por linguagens, linguagens construídas. A alteração das linguagens alteraria também as formas de existir. Isso foi visto historicamente: no momento em que setores diferentes de uma mesma sociedade já não conseguiam se entender, revoluções aconteceram, para Jerome Rothemberg, “todas as revoluções foram precedidas por um colapso da linguagem”. A transgressão da linguagem em sua plena vigência é a demonstração de sua fragilidade, de sua existência construída, de sua existência atrelada ao entendimento da própria existência.
Alterações no curso da humanidade se deram de tempos em tempos. A revogação da linguagem e da forma em que essa sociedade, a nossa, se organiza se alterarão um dia. Essa é apenas uma possibilidade. Nada, a não ser a idéia de que qualquer coisa traz em si sua própria negativa, enxerga como possível e dada essa alteração. Essa idéia como todas as idéias é só uma idéia. Não há tempo de esperar as idéias se tornarem coisas, fatos concretos. Não há tempo de esperar que algo se prove e aconteça pelo curso da história. O próprio curso da história indica que talvez não haja tanto tempo assim.Intervir no curso da história não garante alterações concretas. Mas intervir não é só uma idéia, é ação concreta.
.
saco 31
.........tipóia cegando a luz à tapa
................fugando a ferida à bala
....................................pá cava
................................fogo escurece
....................................lava tapa
.......o jardim nasceu verdinho
...................verte invasão fértil
...................................erétil
...................esterco carne leve
............mosquito moído e quente
.......manta mata atlântica
......guru gaiola
..........sabão de lama
.
saco 22
.........................derruba monte
................afunda barco
..............................abre estrada
..............................pinta de preto em volta do cercado
.
..........na curva do olho e da linha elegem tião
.
...............paulada
zumbido de seca
.......água morna e areia
.
............cavalo alado no açude trazendo pergunta e risada
............tem saco pesado estopa indo embora no caminhão
.
........................sobe monte
........................acelera barco
.........................esburaca rua
.
..........festejo no barro colheita no sol
........................tião pirata voando
.
.......................bandeira no mastro
.............................dois pés no chão
.
(saco 22 tomou o nome de Aboio e foi musicado por Léo Xisto para a banda Na Sala do Sino , clique para ver os cara no youtube)

Um comentário:

Priscila Milanez disse...

Quanta pressa pressa contida nesse "não há tempo...", "não há tempo..."

E por tanta a pressa e tão imponente o "não há tempo", só agora li teu ensaio... Gostei do que dizes, de como 'ensaia' sobre força da linguagem e de suas múltiplas formas-fôrmas. Apreciei a clareza com a qual expõe o conteúdo.

Até, menino!