26.1.08

As Ferramentas de Tomás

Tomás ainda brinca de ser uma câmera fotográfica. Gosta de andar por aí com os olhos fechados, abrindo-os em flashes de quatro em quatro passos. Às vezes, quando se sente confiante, ou quando vê que não há obstáculos, ousa dar até uns oito ou nove passos. E nos intervalos, abre e fecha os olhos em frações de segundo, pra ver se está andando reto.

Ele não é fotógrafo. Podia ser, mas ao invés disso, trabalha numa coisa parecida com uma máquina que surgiu devido ao sistema econômico e político de sua época. Essa máquina é uma espécie de cria desse sistema, e tem início e fim cíclicos dentro desse próprio berço. Sua repercussão é vasta e extremamente cotidiana na vida de todos os cidadãos. Se o estado, ou o próprio tipo de governo – que é basicamente o mesmo ao redor de todo o globo – for metaforizado como o mar, pode-se dizer que a máquina que emprega Tomás é o grande leviatã.

Dentro desse organismo, a função dele é compor imagens que serão usadas posteriormente como estímulos à população. O fim disso é basicamente movimentar a já inquieta economia. Por isso, sua principal ferramenta de trabalho é seu par de olhos.

Quando Tomás sai com a namorada, gosta de pegar em sua mão pra que os olhos dela o conduzam enquanto ambos caminham. É claro que não o faz sempre, mas às vezes sente essa vontade, como que pra descansar um pouco suas ferramentas de labor. Dá pra ver os dois de vez em quando por aí, ela de guia, ele se fazendo de cego. Hoje mesmo Tomás estava sozinho voltando pra casa depois de ter ido ao cinema, quando um taxista no ponto gracejou “abre o olho, rapaz”. Tomás ficou pensando sobre aquilo.

Brincar de ser câmera é bacana, segundo ele. Gosta de se desafiar a dar cada vez mais passos com os olhos fechados. Tenta confiar nos outros sentidos, coisa que não é nada fácil. Concluiu há não muito tempo que a visão é o sentido mais evoluído do homem; mas talvez o tenha feito por não ser um músico, cozinheiro ou massagista. Nos flashes, diz, os olhos captam o necessário pra que ele não se machuque. Nunca se machucou, tropeçou ou esbarrou em nada. E andar em São Paulo não é coisa pra qualquer cego. Cego tem que enxergar muito bem pra andar na metrópole.

Ele tem estado satisfeito consigo mesmo. Está de férias, e pode dormir mais do que o usual. Tomás gosta mesmo é de dormir.

5 comentários:

Lírica disse...

Mesmo quem vê, às vezes prefere não ver. Como para Tomás, enxergar é um trabalho árduo. Usar os intrumentos de que dispõe para enxergar, ienvitavelmente leva a pensar. Dormir leva apenas a sonhar...

Heyk disse...

i isso com o pessoal do Danilo monteiro e o contrbando de fundo, e foi bom. Foi meio triste pra mim. Achei meio mole a parte do leviatã mas achei uma boa figura, meio conselho, meio figura, meio eu também faço isso e sempre fiz só que eu bati a cabeça uma vez num poste e tenho um lado na testa mais alto até hoje por isso. Mas adorei a sintonia, porque o exercicío pra reconstrução da imagem, que tá lá no beijodesal.blogspot.com foi feito dessa exata forma. Exata forma, doido.

Então eu fico feliz, mas assumo que não gosto muito desses textos com cara de fábula sabe? Não gosto. Não gosto de conselho em prosa, não gosto de orção e prece em poema, não gosto de humor na poesia. As letras são elas por elas só. Essa é a discussão da linguagem, né? Que assim como o cinema, o teatro, ou qualquer outra arte, as letras não são uma coisa que retrata outras coisas, até porquê essas outras coisas já se são por si próprias. As letras exigem uma linguagem própria.

Mas a figura é foda.

Lírica disse...

Palavras conotam e denotam...Têm notas de aromas do que querem dizer. Palavras se unem em concerto ou pra tentar consertar porque são instrumento nas mãos de quem sabe usar. Palavras soam pra anunciar! Têm cor, textura e sabor e também podem alimentar. Não gosto de palavras de plástico, só pra enfeitar.

Isaac Frederico disse...

li e aconteci o texto sentindo uma boa e estranha sensação, a de não conseguir com uma apenas leitura absorver todo o conteúdo mas ao mesmo tempo sem ser rompida a linearidade.
bomzão isso

Heyk disse...

caramba, foi quando li esse comentário que vi que essa fama recente de poesia plástica e poeta plástico não pegaram bem.


respondo:

o fato da linguagem própria não necessita que o conteúdo seja em vão, ou que não haja conteúdo. Bem menos que ele não tenha a te fazer sentir ou pensar ou agir. Mas sim que faça tudo isso, e se possível que te ponha de quatro pra repensar todos os passos. Não exijo que a arte seja por ela só e em si mesma, mas que faça o que tenha que fazer de forma só sua. Deixando o que as outras coisas já fazem para que elas continuem fazendo.
Essa é a discussão da linguagem. As outras formas de textos não artísticos tem já papéis e formas próprias bem conhecidas. É no confundi-las com as formas artísticas que vejo problemas.
Assim o verso plástico, milimetrado, sonoro e ritmado podem se mostrar como um conjunto de fatores que faça efeito, sem tomar emprestado nenhuma característica de nada que nào seja a própria arte e no caso a própria poesia.
O mesmo para as outras artes. O cinema é inteiro e funciona por si só. Mas é usado pra os fins mais diversos mesmo tendo caráter artístico, sem se valer das outras linguagens necessáriamente. Se vale pro cinema, vale pra literatura, pras plásticas e tal e tudo.

Compliquei?

Enfim, vamos nos falando, fiquei meio preocupado com isso de parnasianismo. Não defendo parnasianismo não, quero que ele derreta.

Um bjo, srta lírica e otros hermano del Maná.