13.6.10

d.r. raunde um | os riscos melamedianos de a cobra engolir o rabo

Meu nome é Capi, namoro e vou à igreja. Gosto e me sinto bem. Quando não estou tão bem com a namorada aperto o botão 1: discutimos a relação. Sabe, amigo, discutir a relação é um jeito de ver se a gente ainda se gosta. E acredite, um jeito de reforçar uma coisa que eu não sei se é possível reforçar, reforçar o gostar. Sabe como é, não dá pra falar que não se gosta, isso dá indigestão. Já vivi isso. É indigesto falar pra ela, Alda, você não contempla minhas expectativas financeiras, por exemplo. Impossível. O que temos que fazer é Reclamar da relação, não do amor. Falar que ela, ela não vai lá tão bem, e por isso, se fizermos um ajuste na aerodinâmica, um upgrade nas molas, tudo fica melhor, e na verdade, ele, o amor, ele nunca foi abalado, sequer chegou qualquer marola de sal até seus olhos. O nosso amor é imbatível.
Na igreja é parecido, andamos pra lá e pra cá num grupo de jovens. Geralmente fazemos estudos bíblicos, estudamos livros que são interessantes, ficamos dando leituras legais praquelas passagens que são abstratas, poéticas, dá pra falar. Às vezes isso vai ficando enfadonho, os meninos são os primeiros a desaparecer, as meninas, engraçado, parece que sempre ficam mais, sempre tive pra mim que meninas são mais éticas. Menos interessadas em desvios do caminho. Repara, sempre se casam com caras que ganham parecido, preferencialmente mais que elas, isso é ético. Como tava dizendo, elas faltam menos ao grupo. O que anima o grupo quando fica assim, vazio, é pensarmos o que temos que fazer pra ele funcionar, e pensarmos se devemos mesmo continuar, nem somos assim tão jovens mais, grupo de jovem é coisa de adolescente. Posto que os meninos faltam, as meninas leem, mas a gente sabe quando só tão falando e a palavra, da bíblia, pô, a palavra tá indo do olho pra boca sem passar pela cabeça.
Isso é engraçado, e aí entendo o que fortalece o namoro, o grupo, é ficar pensando neles. Fazer todos pensarem neles. E aí também dá medo, dá medo de virar aquelas igrejas que só pensam em si. Sabe, igreja de bandidos, que não quer libertar ninguém, sabe, sabe. Mas acontece isso, ficamos pensando, mas o grupo é isso, o grupo é aquilo, o grupo, o namoro, e ficamos mais fazendo jeitos disso dar certo do que vivendo essas coisas como meios de atingir o amor, a salvação, pra quê serve igreja, gente? Ah, pois é. É como se o grupo tivesse vida própria e se envaidecesse, quisesse mais atenção pra ele do que pra bíblia, o namoro a mesma coisa. Às vezes parece uma cachaça discutir a relação, fica mais legal que namorar.

3 comentários:

Guto Leite disse...

Hahahaha, que beleza, poeta! Todo o desenvolvimento, o discurso colado em um narrador bastante coerente e verossímil, a sacada final que dá um tapa na apatia do leitor. Gostei muito do texto!

Isaac Frederico disse...

O texto, dentro de sua moldura coesa e linear, é completamente psicodélico, mano. Porra, tu segue o raciocínio do narrador e tal, mas quando vc vê vc já não sabe se o cara tá te iludindo com o papo dele ou se vc que tá desatento.
Adorei essa dinâmica insólita do texto, muito.

Heyk disse...

é, a ideia é brincar com nossas discussão sobre o coletivo. não bateu tão redondo.

beijos