Logo cedo 3 ônibus e uma garganta inflamada pela chuva e resquícios de boemia. Segunda-feira nas barcas, reunião para abertura do semestre na pós em Artes da UFF. Tossia tanto que a cabeça doía. Difícil manter a concentração no que quer que fosse, apreendi o máximo que pude entre goladas de cinco ou seis copinhos de café e uma estilhaçada no biscoitinho da cesta. O mestrado e suas exigências, passo a passo. Apresentações e regras de sobrevivência possível. “Isso assim assado até maio no máximo”; “Os prazos não são lá muito esticados”; “Temos uma exposição a ser feita. Quem participa?” ; “Já conhecem as revistas? Uma delas foi usada na seleção de doutorado da UERJ. Quem quer escrever nela?”; “Tchau e boa sorte!”
O primeiro dia daquilo tudo começava em tom de ameaça amistosa e coceira. Senti acolhimento, creio que minha pesquisa será bem feita, as intenções são as melhores e já tenho orientador escolhido. Mantive o foco na respiração e deixava o fluxo do pensamento seguir seu próprio ritmo frenético, não me ative. O espaço era de absorver o novo, de me estabilizar no que, nos próximos dois anos, tomaria parte da minha vida. Espaço e momento de olhar na cara de com quem a convivência se daria. Percebi que além de tudo, meu Modus operandi é de artista, minha intuição, meu jeito de pesquisar, de lidar. Estava no meio de alguns, tenho a quem pedir ajuda futuramente. Aquela insegurança de quem não sabe pra onde ir, de qual palavra escolher no momento da criação, no momento do poema, bateu. Por vezes queria ter a sensação de segurança de ter chegado a algum lugar. Paulo José diz que isso é pros idiotas, insegurança bem usada já fez maravilhas na arte e que nos dá a dimensão do humano.
Cambaleante na tosse percorri a trilha dos restaurantes baratos do Ingá. Almoçar, trocar meia dúzia de palavras de incentivo e boas-vindas com os convivas e assistir a aula inaugural da temporada: “Teoria das estranhezas”! Para além do nome intrigante, descobri um professor de nome igualmente esquisito e apaixonado pelo ofício da coisa. Um ser que propõe o estudo da etimologia do objeto, das palavras, e da palavra “objeto” e que, entre mil coisas, defende a idéia de serem alucinação e realidade, coisas iguais. Coisas que só se dissociam de acordo com o ponto de vista. Cada qual estranha de uma forma o protomorfo alheio. No dia seguinte, “Arte e sistemas semióticos” e a tarefa de apresentar um livro do Barthes para um homem que tem pós-doc em... Barthes! O homem é bem-humorado. O homem demonstrou preocupação com minha tosse. Não será tão terrível. Chove muito e teria mais uma aula na semana, precisaria de mais saúde. A tosse aumenta. Duzentas coisas para ler. Uma nova amiga me acompanha. Vou me desligando. O foco é conseguir chegar bem até as barcas. Assim, a mente em silêncio com barulho de ônibus.
17 comentários:
Pois é, pensei isso agora pouco com uma amiga: como sistematizar para a academia um conhecimento, ou a livre associação que são conteúdo primeiro da arte.
Como transformar o artista no acadêmico sem fazer com que ele quebre as pernas, as suas ou as de alguém?
Ah, tudo se soma, nada se perde e ninguém quebra nada, Heyk. É uma questão de investimento temporal. Você deixa de fazer arte (ou passa a fazer menos) durante um tempo pra se dedicar a um estudo relacionado, que só vai somar, multiplicar, aprofundar, seguir... Acho que as coisas estão muito próximas umas das outras. O estudo acadêmico, a pesquisa, a criação, a reflexão e o devaneio...
Não é? Dá pra acreditar que uma coisa limita a outra?
Pois é, é aí que eu embengo. Acho que castra. São esforços de uma natureza tão distinta. Se tiver liberdade a bsoluta nos rumos de uma pesquisa, ok, não faz tanta diferença, porque será seu tesão que te direcionará.
Mas o que há é que são epistemes outras mesmo. Uma criadora, ou sistematizadora, organizadora. Numa a sugestão e algum silêncio são chave pra quem sabe usar. Na outra, só a clareza e a demarcação e categorização cerradas é que contam.
Entendo que estranhe, publicidade não é ciência.
Tem que ver que tipo de investigação exigem das ciências humanas, querem tratá-las como matemática.
Só a descrição da trajetória da bala conta e não o tiro, é uma merda.
E cite alguém sem saber, e saiba de algo que não haja já pronta a citação, para os dois casos a pena é morte.
Gostei muito do seu blog...
Também faço parte do mestrado que você acabou de entrar... E ler suas palavras foi como revisitar meus sentimentos naquele primeiro dia de encontro dos novos mestrandos da turma de 2009... Caos de pensamentos...
De qualquer forma, seja bem-vindo ao mundo acadêmico-artístico!
Mas Heyk, isso é método. É uma ferramenta pra integrar a obra na grande corrente da produção humana de conhecimento. Pra não isolá-la. Pra evitar a torre de babel. Pra ajudar na compreensão, fornecer mais fontes, mostrar caminhos possíveis, manter um sistema de trilhos.
O método não castra. Nenhuma ferramenta é limitadora - ela apenas muda as possibilidades. Queira ou não, a própria arte tem todo um universo metodológico.
Bom, o problema que vejo:
é tão exigida essa sistematização que o cara perde mais tempo escrevendo rodapé e garantindo que tá tudo nos conformes da caretice acadêmica que a tese fica enfadonha, fica desprazerosa, pra quem escreve e pra quem lê depois.
São intuitos diferentes mesmo.
Um prazer, contemplação, sugestão, choce, toque.
Outro, reflexão fundamentada, proposições de caminho reconhecível. O que nem sempre aparece na arte.
E realmente na comunicação social em geral a preocupação com rigor científico é menor, ainda bem. Por isso acho que não tenha tido problema como nós temos com os escritos.
Com o resto concordo.
#1
Rachel, Futuro Público saíndo. Prometo. Tem até deadline do Heyk (adorei) e cumpri-lo-ei. É nóis.
E ah: sobre o Modus Operandi artístico no acadêmico, ouso dizer - acho que no fundo, todo mundo encara a ideias que estuda como arte, como um sofá confortável. É terrível admitir, mas até a "mocinha"que escreve livros de Metodologia tem um tesão-arte, uma pira na teoria do conhecimento, mesmo que dentro de uma casca grossa de categorização, subtópicos infinitos e "leis é leis". Pelo menos é isso que eu tento acreditar. E de forma alguma essa constatação tira seu brilho: você fez uma delícia de relato, e a percepção é bem única. Não sei nem o problema de pesquisa, mas sei que vc tá no caminho certo.
2#
Heyk, meu nego, vim com pedras na mão. Primeira - vá a merda com essa história de "E realmente na comunicação social em geral a preocupação com rigor científico é menor". Qualé rapá. Ainda sim admito que tem MUITA groselha teórica na área, mas tem gente falando papo sério também. Ciência humana tão pesada quanto a que você estuda. Aliás, fiz uma monografia usando só sociologos como base primordial, nenhum publicitário.
E dois (já no afago, servindo um chá) - entendo, pra caralho, os monstros normatizadores que te afligem. Pode muito bem ser um orientador bunda que a maior preocupação é "nota de rodapé é fonte 10!". Pode ser a própria nota de rodapé. Daí eu instigo: o método é sim exigência, mas a preocupação com ele é primeva. Ele é sempre apresentado ontologicamente como uma comiseração nos colhões (RAPEIZE, 1984, p.62). Mas é só o pulo de partida, o hábito dali um tempo, que aposto que você já tem.
E quer saber - se você pegar um dotô sisudasso e falar "faz um verso aí, trocha", é capaz dele chorar sangue. Afinal o poema é bem metodológico nesse ponto: ele existe sem verso?
Compra essa briga, brou. Com você (aliás com vocês!) ela é ainda melhor.
Ah, retificando:
Entendi, Heykera, que vc não quis agredir a área de comunicação. Mas reitero: nela também tem gente querendo sistematizar até o "Óla". Eles estão em toda parte, nem se iluda. A gente é que tem que saber ser uma boa oposição.
Que tem gente séria eu sei. Fato. Quem me dera tivesse alguns desses sérios no meu departamento. Mas não carregam o ônus de querer inventar que são ciência exata. E sei que em todas as áreas de conhecimento existem esses zé roda pé, que querem normatizar até as trepadas.
Certeza que se não chorar sangue um doutor desse vai falar que tem uma fórmula matemática num saite da suécia que faz poema sozinha.
Olha, viram minha última questão: o quanto esse rigor afasta o conhecimento do leitor do povo.
Nem existe povo eu sei. Mas gente, se pra mim teoria em geral é uma pedreira, imagina pra quem gostaria de entender, sabe-se lá por quê, de história do brasil, ou de formação dos povos brasileiros, aí vão lá e colocam um ensaio do EVC sobre mitos ameríndios na mão do cara, o cara deserda as lombriga dele e empacota. Não lê.
Então...
Métodos de pesquisa cada um tem o seu, não existe manual pra tolher. O que rola é você, após sua pesquisa realizada, suar a camisinha pra enquadrar tudo aquilo em normas e formas possíveis e passíveis de apresentação. Sempre me quebro nisso, na enformação do bolo, mas tem dado certo até então.
A questão é:tudo tem um método intrínseco, a criação artística inclusive. O método pode ser o caos. Mas quando se fala em sistematização de conhecimento, em reprodução desse conhecimento, há regrinhas be, explícitas. A'í pode ou não se dar a castração. Os intuitos", parafrasenado Heyk, são diferentes mesmo. Numa obra artística o sujeito é estimulado a primeiramente sentir, numa obra acadêmica a questão é pensar a proposta. É catalogar,é destrinchar, decupar e todos os verbos que indiquem essa mesma coisa que estou tentando, no gerúndio, dizer.
Ah, meu problema de pesquisa é Arte pública.
Beijos!
Arte pública: leia: a arte que o ESTADO DÁ PO POVO! aÊÊÊÊÊÊÊ!
Arte pública: Problema: Stencil.
Arte Pública:Tudo que se dispõe público e notório ao alcance dos zoinho, com ou sem incentivo de Estado. Normalmente sem.
Ah e outra coisa que esqueci de mencionar...
Uma vez ouvi de um crítico de arte que a análise de uma obra de arte consiste no binômio Sugestão-Pausa, onde a ausência é a lacuna mestra pra subjetividade trabalhar nos indícios iniciais.Uma boa obra não sublinha, sugere e te larga à deriva. Esses elementos numa pesquisa acadêmica levam o pesquisador à morte impiedosa.
Rachelzita me jogando numa fogueira braba, hein... Bom, querida, desde aquela andança trôpega pela lapa deixei bem clara pra ti a minha (total) desilusão com esse tido "mundo acadêmico", em que quase tudo é decidido no teste do sofá (de bolsas a vagas no doutorado, passando - por cima, muitas vezes -, de outras coisas também...) e, como desilustre ex-acadêmico, portanto negando essas tais prerrogativas e vestindo a carapuça do carrasco/traidor, é que me queimo nesse fogo aqui. Entendo o ponto de vista de todos, há sim gente séria nessa geleia de interesses (com único, duplo, triplo sentido), e inclusive cheguei a conhecer algumas dessas aberrações. No entanto, são como exceções que confirmam regras. É preciso conseguir ser, além de pesquisador, um puto negociante (ou vice-versa, muitas vezes tanto faz) pra se dar bem nesse mundinho: é estratégia, tanto de pesquisa quanto de negócios, pra chegar, ao final (afinal!), nos teus interesses. Soube inclusive de uma tese de doutoramento na Uerj que era um romance! A exclamação não é por um espanto de impossibilidade, e sim pelo que deve ter sido negociado pra que isso acontesse, a despeito da pesquisa que obviamente levou a isso. Apenas citei o exemplo porque confio na idoneidade da pessoa que participou dessa banca (ah sim: essa tese foi aprovada e inclusive publicada em "livro", se não me falha a memória). Então, até que ponto um certo academicismo tolhe, castra o vigor artístico individual, não sei, talvez apenas uma pesquisa possa responder (hehe, não podia perder a piada...), mas essa relação, no âmago desse "mundo" acadêmico, é que deve ser continuamente revista, e com cuidado, porque com ou sem teste do sofá e com ou sem negociatas outras, corre-se o risco da banalização de propostas, tanto de um lado como de outro, dentro e fora da academia e mesmo do âmbito artístico. Não que limites devam ser erguidos em prol de qualquer coisa, isso é pura bobagem, mas toda discussão e problematização são salutares, na arte, na academia, onde for. Não me entenda mal, Rachel, nem os demais, não tô aqui pra te desencorajar nem nada e nem pra cuspir no prato de que já comi, mas as minhas questões pessoais muito mal resolvidas orbitam justamente por esse debate levantado aqui e, digo mais, têm raízes em experiência própria e alheia de como a roleta gira em ritmo viciado. No final das contas, o que me fez sucumbir não foi nem a exigência normativa, metodológica, pois isso vira hábito, e nem mesmo como conseguir trabalhar uma potência artística (se é que se pode chamar assim) na construção do conhecimento gerado pelo esforço de pesquisa, porque, quanto a isso, penso que vai da força de vontade "empresarial" e do talento (artístico e intelectual) de quem se propõe a tanto, e sim a falta de fichas pra jogar. A banca ganhou.
faço das palavras do elmo as minhas.
e olhe Elmo, isso é possível, o caso do romance. tem tese de linguagem, tipo graduação em teatro, que você tem que apresentar uma peça no fim? Um amigo, válido inclusive, Edson Roig Maciel, gaúcho, se mestrou em letras com um romance. E tbm com a banca chorando e tudo, emocionante.
Mas é isso o que vale é a política, até o sempre.
Schopenhouer disse que para o indivíduo basta a intuição, mas quando se quer comunicar, tornar comum, o entendimento, é preciso sistematizar, ou seja, criar uma linguagem científica. nada mais democrático e até misericordioso, além de educativo para com os menos favorecidos com o dom da livre associação__neuróticos obsessivos, operatórios, ignorantes e afins__ que de outra forma teriam que lançar mão da telepatia pra traduzir a linguagem da alma do autor.
Sim, é duro reduzir arte a ciência. Os pedantes adoram... Mas como transformá-la__ a arte__ em algo acessível, educativo, terapêutico, revolucionário, senão, unificando sua linguagem?
A priori, ainda é arte. A posteriori, cientifizada, é arte útil.
êêêêê debate gostoso!
Primeiramente: Rachel, sou sua fã. Cada vez confirmo mais. Adoro sua maneira de verbalizar os sentimentos, as impressões e experiências vividas. Parabéns, e continue na labuta!
Aos críticos do "mundinho acadêmico", digo que simpatizo na crítica, mas ela não poderia ser feita somente à Academia. É conformista isso que vou dizer, mas esse é o mundo que nossa espécie criou para si mesma: em qualquer profissão há o "mundinho" e a politicagem.
Creio que o ponto que vale refletir é a relação do indivíduo com uma coletividade, uma instituição. Participar do mundo acadêmico vai contra seus valores? Essas regras todas são, para você, uma prisão? Você se sentiria "conivente" com algo corrupto ou retrógrado? Então não participe. A escolha está na mão de cada um. Decidir-se pela pesquisa é decidir fazer uma contribuição ao campo do conhecimento e essas picuínhas são apenas a codificação desse campo. Da mesma maneira que as placas de trânsito são a codificação de uma rodovia para que todos possam trafegar nela harmoniosamente.
Então, caindo no pessoal:
Como pesquisadora na finalera de uma monografia de Comunicação (e só com referenciais teóricos de filosofia, sociologia e história) mas que sempre sentiu que tinha alma de artista, tudo que posso dizer é: VALE O ESFORÇO. Para mim, vale a sistematização.
E para o entendimento de todas as camadas da população, muda-se a linguagem.
Já para o rodapé, nada que o CTRL+ALT+F não resolva.
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