Fui àquela vila no fim de semana e fiquei na casa de um amigo das antigas, onde desenrolamos tapetes empoeirados há dez anos. No desjejum, ficamos em ciranda numa padaria que parou no tempo, curtindo o assasinato de uma saudade velhinha. Pedi um café e um misto-quente, ele pediu dois mistos quentes, e uma amiga nossa, dois cafés. Depois, visitei lugares da infância como se eu fosse um espírito a quem a morte dera a chance de um último punhado de nostalgia.
À noite houve o grande reencontro de todos os corpos maduros. Brandimos a cerveja aos velhos tempos, revivemos pequenas mágoas e boas lembranças, e brincamos de nos definir. Uma história boa deixou sua protagonista sem jeito: na sexta série tínhamos que apresentar seminários sobre o corpo humano, e Laura cometeu uma tremenda gafe ao representar, com uma mímica muito ingênua, a região dos grandes lábios, passando o dedo indicador em torno da boca. Rimos muito da lembrança.
De volta pra casa, estendemos, eu e meu amigo, carpetes difícieis, cheios de pregos e manchas de sangue. Exploramos passados dos dias que ventaram na última década, até que o sono viesse trancar a porta. No domingo, fomos a uma feira tradicional e experimentamos um sol de alegria sincera, sorrisos como trapos coloridos e uma banda argentina de jazz cigano, que fazia nosso coração dançar. Tomei garapa, e eles riram de como eu chamava o caldo de cana.
Os abraços na rodoviária foram gostosos, cheios de risos cheios e movimentos inseguros de despedida. Não contei da ída no ônibus porque o universo ainda não havia sido criado, mas a volta foi acesa, intervalada por sensações que não me deixavam dormir. Vi a lua amarelando as núvens em redor e os charcos onde lâmpadas de mistério desenhavam pedaços de casebres.
Fui escrevendo essas lembranças mentalmente ao longo da demora. Desejo voltar mais vezes àquela vila bonita.
Perdão
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Quisera ver-te em suplício
mas logo me dou conta
– e, de tudo, logo isso! –
que tu és eu.
Sou eu quem me amedronta.
Quisera acusar-te de tudo...
Um comentário:
lembranças. eu costumo guardar as boas. esse texto me fez lembrar da minha infância, época que eu saía da escola, ia pra casa almoçar e depois ia pra biblioteca do centro ler gibis, desenhar e ver peças de teatro infantil com os amigos. era uma delícia. vez ou outra a gente ia jogar futebol no fim da tarde (naquela época eu ainda era bonzinho de bola) e voltava a tempo de assistir Disney Club na Tv (rs).
lembranças...
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