- Eu vou tirar aquelas fotos dali.
- Por quê?
- Motivos ideológicos.
- Hahahahahaha. Comassim?
- Beleza, você que pediu: é tudo idiotice. Existe dois motivos pra ter fotos no computador. Ou você encaixota em pastas até perder de vista, e esquece tudo no porão infinito, até o dia que formatarem 10 anos da sua vida. Ou você publica tudo em álbuns , só enquadramento fechado, o máximo que seu braço alcança pra fazer o click, e viva! Olha eu ali, exposto.
- Hmm, “o fim está próximo”. Seria mais bonito se você ainda tivesse 15 anos. Eu também tenho meu ‘motivo ideológico’. Tá pronto?
- ...
- A gente tá pra repetir na internet a história do homem. Você conheceu um espécime nômade, que buscava por sites sozinho e caçava seus próprios links. Hoje ele tá no paleolítico, vive dentro de comunidades, segue outros da espécie. E ele nem deixou de ser individualista.
- E as fotos com isso?
- Foto de Orkut é o primeiro sinal na caverna. É o começo da identidade. Isso é o que menos importa: tá aí uma evolução assistida, a gente não precisa evoluir por evoluir. Podemos pensar antes de fazer.
- Há 6 meses eu até compraria sua ideia. Eu mesmo tinha muita fé no underground hi-tech, em gente livre pra cruzar a onda eletrônica, em plugar em sincro-energéticos e drogas inteligentes “garantindo ampliar nossa potência cerebral e nossa vida sexual”. Mas a questão é que o virtual é uma mentira – ele é cheio de possibilidades, e só. Desde então minha vida virou um grande “se”, e eu não saio de casa nem FAÇO nada há algum tempo. Eu cogito possibilidades.
- Porque você não FAZ algo então, de uma vez? Vira logo um grande hacker...
- Jóia, é isso mesmo que eu vou fazer, virar vândalo. É o gesto que vai completar o vazio de todos nós.
- Pior que não, quase nenhum deles quebra coisas por quebrar. Quando você mostra a falta de segurança em um grande mainframe, é pra questionar: a informação não devia ser livre? Pra que tão criando cofres e gerando as mesmas desconfianças?
- Ok, meu filho, mas quem vai atingir a epifania com isso? Você vai dar a moral da história pra cada um? Entenda só uma coisa: a maçã da Apple já foi mordida, e o pecado não foi botar os computadores na mão das pessoas. Foi criar sistemas bonitinhos e simples, onde eu não entendo nada; aperto o botão e vejo acontecer. E assim eu me afundo nas possibilidades que eles me dão.
- E não dá pra criar num novo código e romper a barreira?
- Dá, mas o virtual não vai embora por isso. Pra você ter uma noção, se eu morrer, meu perfil no Facebook não morre – esse “eu possível” é uma assombração.
- Tá, mas daí ele vira um mausoléu. O virtual nunca vai existir sem a gente, e o lance das possibilidades é só o futuro. Quem faz e decide qualquer coisa é você, agora.
- Lindo. E qual vai ser o acontecimento da minha vida no seu H.O.J.E?
Ebi está offline e receberá suas mensagens depois de iniciar a sessão.
Perdão
-
Quisera ver-te em suplício
mas logo me dou conta
– e, de tudo, logo isso! –
que tu és eu.
Sou eu quem me amedronta.
Quisera acusar-te de tudo...
3 comentários:
... Aí, fia o teclado pelo não teclado, e qualquer revolução fica no virtual, sem acontecer de fato... porque, também... pra quê? Quem quer mudar o quê, né?
Então, talvez as fotos ali sejam pra nos lembrarmos do que fomos.
Eita, o Shake se danou, hahaha (ótima).
"Tudo pode acontecer agora", ao mesmo tempo em que "apenas uma coisa VAI acontecer agora". O dogma é quase um paradoxo - não o é porque fala sobre as possibilidades ("pode") do agora.
Mas que diálogo desconcertante, mano. Fiquei meio perplexo porque a cada sentença uma nova discussão irrompe. Ideologia, repetição assistida da evolução, virtual/real e possibilidade, paranóia acerca da simplicidade que induz à ação limitada, existência póstuma na virtualidade... cada continuação do diálogo não responde (sequer corresponde) à questão anterior - e, não obstante, propõe novas questões! E todas de ordem titânica, complexas e enormes.
Contanto e entretudo, tenho a impressão de que trata-se um diálogo perfeitamente possível. Dois antagonistas que arguem sobre qualquer tema tendem a se esquivar de respostas levandando questões mais audaciosas do que as últimas.
Fico com a impressão de ter contemplado uma batalha entre dois cavaleiros muito bem armados, só que sem qualquer escudo ou armadura. Os cortes são feitos na carne, e as lâminas vão devorando a vitalidade de âmbos, até que um deles simplesmente desaparece (sim, porque concordo com Shake: não há lugar para a morte no meio virtual). E o outro fica meio triste.
Caramba, que pedrada, cara. Que texto ousado.
Acho ótimo.
ó, cêis dois:
Lírica (vou manter o codinome, tá? Tava lendo sobre isso, e parece importante), você é um amor. Não só pq comenta, mas sempre traz vida pros posts: principalmente pro anterior, o Vida entre Prédios, vc viu uma sutileza que eu achei nem ter trasmitido ali. Bença dupla pra vc.
Victone, hahaha, eu pensei exatamente sobre o que vc diz quando fiz o texto. Até lembrei que vc preferia repouso e tempo pra pensar, e o texto é o contrário disso. Mas num teve jeito - vários pontos foram brotanto, e eu quiz colocar todos ali. E no fim das contas é um pouco disso mesmo: o texto estranho faz a gente pensar mais do que o "natural" (da visão do autor, é claro).
Bjós.
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