5.6.09

O pescador

Talvez seja a cidade, talvez a sociedade, ou quem sabe o momento. Eu poderia justificar, construir argumentos, engrenar na tarefa de fazer-se crer. No entanto, gosto de pescar. É uma atividade que não dá dinheiro, nem é social. Faço pelo prazer mesmo, de ver o tempo passar. Nunca tirei um lambari da água, talvez seja a isca, talvez o anzol, ou quem sabe o local. Toda via sou jovem e tenho muito tempo para pescar meu primeiro peixe.

Quando não estou pescando, sou colher, das de sobremesa, que fazem a sopa esfriar. Minha utilidade para os homens é evidente: servir, mesmo que pouco, bocas alheias. Outro dia conversei com o martelo, dizia ele que tinha dores de cabeça de tanto socar os pregos pelas paredes, mas que estava trabalhando duro e logo seria indicado para outra posição: poderia retirar os pregos, um a um, e despachá-los. Utilidades de martelo. Ele é muito respeitado entre as ferramentas, é sempre útil e tem seu lugar guardado no caixote. Os pregos, coitados, têm seu momento.

Nessa mesma conversa ele me contou que já havia pescado um pacu, desses gordos que quebram a varinha de madeira, e disse também que não era muito chegado nesse negócio de pesca, pois não gostava de passar tanto tempo esperando pelo resultado.

Acho que já nasci assim, meio velho, contemplador, sem essa pressa de ver acontecer. Pra mim, o peixe é o de menos, gosto mesmo é do tempo, de ver passar, com seus suspiros, momentos que só nós temos.

3 comentários:

Anônimo disse...

Tulio,

Muito bom mesmo seu texto. Boas lembranças antigas de pesca...para o humanos...para o peixe, nem tanto.
Bom o tempo passar ou melhor passar o tempo....

Malaspina pai

Victor Meira disse...

Acho que a pescaria é uma fantasia da colherzinha, que acha que tá num rio quando a põem num copo de café, pra misturar o açucar.

O doido é que ela já viu um martelo pescar... Caramba. Queria ver. Eu acho que esse martelo já não bate mais bem.

A não ser que ele já tenha sido pescador em outras vidas. Aí tá justificado: o ponto de vista da matéria inanimada no mundo, e de como pra eles o tempo é efêmero.

Talvez toda colherzinha já tenha sido, um dia, um anzol. Talvez toda faca já tenha sido uma cimitarra, e todo garfo um tridente.

Que decadência metálica.

Chammé disse...

Ah, Tulião.
não compartilho em nenhum sentido a história da pescaria, nem no êxito, nem na vontade, mas tô de acordo com todo o dito. Essa não-pressa na juventude é coisa rara, rapá, todos meus conhecidos me parecem martelo querendo trocar de função. Não sei o que a gente vai achar disso daqui uns trinta anos. Hoje é um jeito macio de viver a vida.

Bença pela transmissão. Foi de valor.
Abrazzi.