31.5.09

domingo de ferreira gullar: "galo galo"


O galo
no salão quieto.

Galo galo
de alarmante crista, guerreiro,
medieval.


De córneo bico e
esporões, armado
contra a morte,
passeia.


Mede os passos. Pára.
Inclina a cabeça coroada
dentro do silêncio:


— que faço entre coisas ?

— de que me defendo ?


Anda.
No saguão.
O cimento esquece
o seu último passo.


Galo: as penas que
florescem da carne silenciosa
e duro bico e as unhas e o olho
sem amor. Grave
solidez.
Em que se apóia
tal arquitetura ?


Saberá que, no centro
de seu corpo, um grito
se elabora ?
Como, porém, conter,
uma vez concluído,
o canto obrigatório ?


Eis que bate as asas, vai
morrer, encurva o vertiginoso pescoço
donde o canto rubro escoa


Mas a pedra, a tarde,
o próprio feroz galo
subsistem ao grito.


Vê-se: o canto é inútil.


O galo permanece — apesar
de todo o seu porte marcial —
só, desamparado,
num saguão do mundo.
Pobre ave gurreeira!


Outro grito cresce
agora no sigilo
de seu corpo; grito
que, sem essas penas
e esporões e crista
e sobretudo sem esse olhar
de ódio,
não seria tão rouco
e sangrento


Grito, fruto obscuro
e extremo dessa árvore: galo.
Mas que, fora dele,
é mero complemento de auroras.

3 comentários:

Victor Meira disse...

Viva, Bacana, viva o Gullar. Ótimo post!

Guto Leite disse...

Também gostei muito... numa boba e hipotética competição, aposto no teu poema para ser o galo do terreiro do Gullar. Grande abraço

Heyk disse...

rapaz, isso é um absurdo, né? Nossa mamãe. ô poema absurdo.

Sabem, e o viado do gullar não fala que o galo luta até a morte, né? Em qualquer hora do dia. O gala luta até a morte em qualquer hora do dia, gente!

É só ter dois galos e pronto, vamos ter um machado e um morto.

Fantástico.