15.5.09

Decomposição obediente em não sair do lugar

Perco a composição derivada de Madureira. Já passou. Ia reparar nela, contar os passageiros. Merda, sim, foi que perdi! E com perfil elástico, fácil, só o chiclete no trilho e olhe lá – coisa de muita miudeza, não dá pra falar, sem pensar que não chegará a lugar algum, e chegará, amontoado. Trançarei os ramais e estações, quem sabe, daqui mesmo. Que horas é? Mas eu gosto mesmo é de pessoas. Putz! Caralho! Mas eu perdi a composição de Madureira!

Agora só na outra. É o “senhor tenha paciência”, “meu senhor”, “que mané composição!” – se houver uma tão original pra mim, uma recomposição de fôlego e moral, diversificada. Vou suar e supor, chamando essa plataforma de és minha; mas não é a de Madureira: é óbvio, se faço conjetura dela, livremente - a paciência dá essas coisas na gente, até para que não esculhambemos com a falta de escolha dela, virando uma surda e desobediente impaciência, é que não estamos nela, eu é que não estou na plataforma de madeira, nem madura, nem de areia, és minha em pensamento. Cara de pau é o esperar original; já Madureira é que é aquele rodar & renovar incesante de coisas. De horas são.

Pessoas, sim, aguardo. A composição de Madureira, na malha honrosa e saborosa do trem, arrisco trilhosa, por dentro dele; além, claro, doutros convívios de desafio, inoxidáveis por sua própria natureza. Composição sem destino. Sim, a que quero pegar; que ela foi, senão feita, inspirada em Madureira, por isso derivada, é quase certeza, que tenho pegado uma brasa assim assim. Qual nesse bairro do subúrbio carioca que é quase uma oferta sem parar de gente de todo tipo, de toda moda, merece o que for e der pra trabalhar, pra pôr pra render, pra malhar a composição, de suar quando é pra se ter pressa. E lógico, pra espalhar essa gente toda, a sairem já dali, só o trem leva e ainda levará muitas vezes que precisar, e não suar também.

Dessa vez levou e não peguei, fiquei numa composição desmontada, grudado no chiclete quente do chão, que por sua materialidade amontoada, a princípio, e, depois, a originalidade de um vendedor de prefixos maduros (e outros brinquedos de ladeira, no saco de um seu parente), escalara do poço dos trilhos à borda de esperas lúdicas, se bem que aqui ao contrário, “meu senhor”, a ginástica, chicle-chique, pentelheira! Passara a composição de madeira, de cobre, de ouro, de rolex, de prata, de ferro, de tudo, pelo que de gente diferente ela levara, ou devia, ou divisa, ficou devendo. Na certa traçara aqui por mim um catálogo de Madureira. Não peguei essa. É esperar por outra. Ou passar no Mercadão e pedir um avião de linha com amostras de bairro, do sem barreira, da gente toda variegada do espaço, e sentada pra todas. Nisso perco pouco em dinheiro, é quase certeza, e ganho em amontoado pra contar. Sei lá o quê. Dou uma virada, mesmo um looping, à moda do barro freado, com alguma insistência.

Perder o trem pode ser o maior barato; mas ficar mastigando com os pés, também és... uma meia-delícia – só não se sabe se e quando é a certa, chamar pra descer, embarcar no poço de novo, largar de grude composto... Passar uma descompostura neste senhor que se atreve; se diz de Madureira e já me aparece com a mesma carranca de pedir a hora três vezes, na base do pouco samba. Sim, conjetura. Já imagina-se a composição, ou como ela não poderia deixar de ser. Que tenho pegado uma trilhada assim, detrilhosa, agora é em impaciência, bota cerol na linha do avião, balouçou aqui dentro, merda de açucareira...

Rod Britto, 2009 – Rio de Janeiro / Brasil.

Um comentário:

Caco Pontes disse...

"quero morrer numa batucada de bamba / na cadência bonita do samba".