8.10.08

No badalar imaginário dos relógios, que hoje já não têm mais a imponência sonora cadenciada dos pêndulos, ela contava o tempo. Somava os dias e marcava a cada volta completa de seus ponteiros quanto tempo havia se passado desde cada uma de suas escolhas – possivelmente – erradas. Então, olhava pra um lado, pro outro, pra traz, e num jogo estanque de cálculos dúbios tentava equacionar de que maneira os ‘nãos’ e ‘sins’ que pronunciou ao longo do tempo (para os outros, para algumas circunstâncias e, sobretudo, pra si mesma) configuraram os rumos que delineou com seus passos no chão e pela vida, até então. Questionava a não possibilidade de se voltar atrás e requerer o direito de tentar mais uma vez, de uma outra maneira, de uma nova forma, de uma nova cor, um outro sabor... Talvez, um conserto aqui, um recorte ali, um ajuste, um rejunte... tiraria algo daqui, colocaria lá, trocaria algo por outro, um novo, ou por nenhum... jogaria alguns pela janela, pintaria com outros tons as velhas telas, e borraria de tinta o que extrapolava as bordas de cada uma delas...Limparia aqui e acolá... Não se tratava de arrumar tanto a bagunça acumulada ao longo dos dias, meses, anos, se tratava apenas de colocar nos, outrora, devidos lugares as coisas que no passado, por uma questão de perspectiva turva ou imbecil mesmo, ela dispôs de outra maneira... Mas não, não podia...

Restava-lhe apenas a tentativa de evitar o descompasso dos dias ritmados pelos pêndulos que insistiam naquela dança monótona e insossa das horas. A cadência irritante da exatidão marcada por aquele metrômero burocrata, insanamente regido pela arbitrariedade do que se convencionou chamar: tempo.

2 comentários:

Victor Meira disse...

Vai ver essa neurose sempre existiu. Imagina os homens da caverna durante uma caça: "vambora buga-buga, tá na hora do almoço". Hahaha. O pêndulo primitivo não emitia som - emite luz.

E pensar que a gente calcula quantas horas dorme. Sono, nessa nossa contemporaneidade, é droga pesada. A gente trata como um mal necessário (a sensação da perda de tempo enquanto se dorme) extremamente prazeroso.

Uma dureza. Só não acabo com uma piadinha sobre isso porque já é batido demais.

Priscila Milanez disse...

Pois é... a gente só bate no que incomoda ou se incomoda quando bate...



Quanto o "mal necessário", pra mim é um bem. Quanto mais eu durmo maior a sensação de ter ganhado tempo!