6.8.08

Artista não revela se deixou cão morrer de fome em instalação

Costa-riquenho Guillermo "Habacuc" Vargas falou ao G1 sobre "Exposición nº 1". Galeria em Honduras que abrigou instalação afirma que cachorro fugiu.
Com as informações: Shin Oliva Suzuki do site G1, em São Paulo
link direto para a notícia no site da Globo G1

Foto: Arquivo pessoal


Nas últimas semanas vem sendo repassado um abaixo-assinado na internet contra a participação do artista costa-riquenho Guillermo "Habacuc" Vargas em uma bienal da América Central. O motivo da petição on-line é uma instalação artística em que Habacuc supostamente deixa um cão de rua morrer de fome, à vista do público, o que causou revolta e protestos entre ativistas da causa animal.

Intitulado "Exposición nº 1", o projeto foi exposto em uma galeria da Nicarágua em agosto do ano passado, acompanhado de uma crescente polêmica. A obra foi inspirada na morte de um imigrante nicaragüense, Natividad Canda Mayrena, de 24 anos, devorado há dois anos por dois cães rottweilers de uma oficina de Cartago, cidade da Costa Rica. Esse ocorrido foi filmado por câmeras de TV, e policiais que estavam no local disseram que não poderiam intervir atirando contra os cães porque a vítima seria atingida.

Habacuc, um artista de 32 anos que tirou seu apelido de um profeta bíblico, "porque soa bonito", montou "Exposición nº 1" usando cinco elementos que remetiam à morte do imigrante: a gravação do hino sandinista (movimento político nicaragüense) tocado ao contrário, um "incensário" onde se queimaram pedras de crack e alguns gramas de maconha, um cachorro que ganhou o nome de Natividad na obra, comida para cachorro (com biscoitos que formavam a frase "Você é o que você lê") e a representação dos vários tipos de mídia.

Diferentemente do que diz o e-mail que circula com o convite para abaixo-assinado, ele não foi selecionado para Bienal de Arte Centro-Americana de Honduras por causa da instalação sobre Natividad. O comitê da Costa Rica, que selecionou o nome de Habacuc para representar o país no evento, emitiu um comunicado dizendo que não houve nenhuma tipo de avaliação relacionada a "Exposición nº 1". E, portanto, Habacuc não repetirá "Exposición nº 1" em Honduras.

Onda de manifestações

Não tardou muito para se formar uma onda de manifestações contra Habacuc e a própria galeria nicaragüense Códice - que abrigou "Exposición nº 1" - após o surgimento em blogs e sites diversos das fotos de Natividad, o cão, que foi recolhido nas ruas de Cartago. Uma jornalista, Rosa Montero, escreveu um artigo no prestigiado jornal espanhol "El Pais" em que condenava o projeto do artista costa-riquenho e convidava os leitores a participar da petição.


Foto: Arquivo pessoal

Instalação gerou protestos na internet (Foto: Arquivo pessoal)

"A repugnante montagem de Habacuc reabre as questões dos limites da arte, ou, como sob a desculpa do feito artístico, se podem cometer todo tipo de abuso que em realidade somente busca chamar atenção [...]", dizia um trecho do texto.

Em entrevista ao G1, por e-mail, questionado sobre os limites que a arte tem, Habacuc responde suscinto: "Você acredita que a exploração, a xenofobia, o ódio aos pobres e, em geral, as relações com o poder são produto da arte?". O artista também comenta as reações inflamadas sobre sua obra: "são delirantes, reflexo de um mal-estar que tem raízes no dia-a-dia de das pessoas e que se pretende fazer passar por solidariedade com os demais seres; se eu estivesse errado, não haveria tantos seres humanos e animais na indigência".

A morte do cachorro Natividad foi dada como certa por muitos que se depararam com a história acerca da instalação, mas a verdade é bem mais nebulosa - uma farsa pode ser a explicação para a "realização" da obra. Habacuc responde por escrito apenas que "Natividad morreu, os meios foram cúmplices", sem especificar qual Natividad morreu. Ele justifica a frase ambígua dizendo que "desconfia das mensagens claras". "Assim quero deixar uma dúvida clara. O pior que pode acontecer com uma obra é não produzir nada no espectador, por isso a obra não terminou no sentido de que seguem falando dela".

Foto: Arquivo pessoal

Procurada pelo G1, a diretora da Galeria Códice, Juanita Bermudez, se recusou terminantemente a dar entrevista, mas encaminhou um texto em que esclarece, na visão da instituição, o que aconteceu com o cão Natividad nos dias em que a instalação esteve aberta.

"O cão permaneceu no local por três dias, a partir das cinco da tarde da quarta-feira, 15 de agosto [de 2007]. Esteve solto o tempo inteiro no pátio interior, exceto pelas três horas que durou a mostra, e foi alimentado com comida canina que o próprio Habacuc trouxe. Surpreendentemente, ao amanhecer da sexta-feira, 17, o cão escapou passando pelas vergas de ferro da entrada principal do imóvel, enquanto o vigilante noturno que acabava de alimentá-lo limpava a calçada exterior do local", afirmava o comunicado assinado pela própria Juanita.

"Eu pensava em ficar com Natividad, mas ele preferiu retornar ao seu habitat", completava o texto.

Opiniões

Para a professora aposentada da USP e uma das mais respeitadas arte-educadoras do país, Ana Mae Barbosa, pensa que "Exposición nº 1" "extrapola os limites da ética no sentido de que mantém um ser vivo propositadamente preso, à beira da inanição. O objetivo é extremamente político. Não tenho nada contra a relação da arte com a política nem contra usar a arte para protestar politicamente, mas, na minha opinião, o artista incorreu em um erro".

"Mesmo se tudo isso for uma farsa, pode ser extremamente perigoso. Uma farsa vai induzir a uma interpretação [da obra] farsante. É um tipo de provocação que passa dos limites da educação humanística", completa Ana Mae.

A artista, pesquisadora e professora da Universidade de Caxias do Sul (RS) Diana Domingues, especializada em arte contemporânea, também concorda. "Em qualquer campo da atividade humana deve haver respeito à ética. A própria arte cobra esse respeito", diz.

4 comentários:

Guila Sarmento disse...

As professoras colocaram um ponto final. Assino embaixo.

Victor Meira disse...

Dívida paga, fabrício. Boa colagem.

Heyk disse...

que bom que tem um desenho de "telefone com cara de fofoca" logo depois dessa postagem do cachoro. Tem todo sentido.

Se o cachoro tivesse morrido de hérnia ou de hipertensão na exposição pouco importa.

Achei o fato de esse evento ter virado uma moda mais interessante do que o próprio ato do artista, deixando morrer ou não o cachorro.

Que comédia.

Heyk disse...

aviso aqui tbm: meu blog mudou pra:

http://heykpimenta.blogspot.com

beijo de sal que cansou a beleza. é título do livro acabado.

Começemos outra coisa? Em tudo?