23.5.08

Nictogravura

Viu-se num parque aberto onde homens sensíveis faziam-lhe roda e riam de sua presença sem maldade. O sol ia tardio pelos gargalhares entre arranha-céus e folhas nas copas. O céu vinha por natureza róseo e púrpura, mas as luzes laranjas da cidade voavam em reflexo pelo firmamento, gerando o croma maravilhoso de toda noite paulista. Foi até o primeiro homem, que se abaixou à sua aproximação. Tirou-lhe o capuz e o meteu na cabeça. O homem lhe sorriu e lhe estendeu um pincel grande de madeira, mais um balde de tinta, e fez conchinhas com as mãos levando-as às orelhas, pra esquentá-las. Ele voltou ao centro da roda, onde havia uma tela maior que seu corpo. Por fim, embebeu o pincel daquele homem pra ferir mais uma vez o quadro.

Assim fez até o sol ter vontade de acordar. Pensou o que aconteceria se o sol, como um homem, resolvesse cometer suicídio. O sol nunca perdia a vontade. Ele pintou inúmeras vezes com os pincéis e tintas de cada homem da roda. Às vezes, no meio da madrugada, uns saíam, outros chegavam. Ele não parava de pintar.

Quando o sol despertou o mundo, todos os homens se misturaram à terra. Ele também. A roda inteira sucumbiu e se decompôs. No centro de tudo, monoliticamente, o tripé e o quadro respiravam a vida de todos os que haviam existido àquela madrugada. Ele e os outros apreciavam o mundo de outra forma agora. De um jeito que parecia a felicidade.

3 comentários:

Heyk disse...

gostei.

muita coisa legal nas descrições e nessa coisa do capus, no quê de fantástico tem o texto.

tem uma coisa errada acho: na parte que fala do tamanho do quadro, olha lá depois

abração!

Victor Meira disse...

Legal Heyk.
Valeu pela correção. Tá arrumado.

Bêjo.

Isaac Frederico disse...

poderia ser uma cena de um filme de kubrick. as imagens são bem dosadas, não há exageros; as descrições físicas se misturam com homogeneidade às descrições de carga sentimental. abraços