15.1.08

Teto pra Apoteose

Num círculo ritualístico, a liturgia nasce de si mesma. Nádegas à terra crua, experimento a ansiedade por uma transcendência epifânica. Horas discorrem dentro de uma só, e o sono vem me incomodar. Lá fora há som e riso, acolhimento e conforto. Dentro da ciranda há apenas o desejo. Mórbido, constante e onipresente. Torturante.

Lá há eles e uma só ansiedade, que é a de estar aqui. Aqui tudo é claro e me vejo como num espelho. Aqui é o reino do desejo e de todas as ansiedades. Todas flutuam à minha volta, numa guerra onde cada uma se propõe a me seduzir. Por fim permaneço inânime, e o desejo de permanecer sentado nesse estado estático prevalece, perturbador.

À minha volta, uma infinidade de criaturas surge a me encarar impiedosamente, cada qual imóvel e impávida no início. A sensualidade não emana delas, mas da minha vontade de usufruir da carne e do sangue quente de cada uma. A lua caminha sem deixar rastro no chão preto da noite. As criaturas se fundem e papeiam num bacanal cemiterial de surdez. Próxima de mim, uma cobra grande cerca e acaricia um gato manhoso, cinzento; em outro pólo de distância relativa, um cão discute elegantemente com uma coruja cheia de graça dogmática; às minhas costas um enorme urso faz sombra. Contemplo a visão do pandemônio mastigando cabeças de aranhas por mim coletas nos dias passados, e depois da ingestão das patas e do resto de seus corpos, o urso me golpeia à total escuridão.

Só uma chuva vespertina vem me tirar do escuro das minhas pálpebras, já que a luz da manhã acordara indisposta a me erguer. Acordo gelado, deitado de lado e nu, observado por um sapo que me vela a menos de um palmo da minha cabeça. Tudo acontecera sob o véu negro que o crepúsculo traz e a aurora embalsama para o desejo insaciável da rainha lunar. Os meus desejos permanecem escondidos nas cascas das árvores, atrás das montanhas e debaixo da grama e da terra, e meu corpo emana a mesma ansiedade de ontem. Com um engolir salivar ruidoso, contemplo num alento o tom ocre da vida, sem me levantar. Hoje devoro a cabeça do cão.

4 comentários:

Heyk disse...

Esse lugar já me soa um pouco a dor e morte sabe.

Mas continuemos.

Que bom. Primeira leitura e os bichos, né?! Quantos.

Bichos.

Me fala sobre esse texto?

Aogra foi fazer a segunda leitura.

Um bjo,

ah se quer saber se gostei, tá, gostei. Gostei sim.
Tem um cara, acho que da paraíba que gostei tbm.

acho que é olha:
http://www.dionisioempedacos.blogspot.com/

vê ele.
me pareceu meio mísitco demais, dessa linha meio odara violento. zé celso, e tal...

olha lá e me fala.

um bjo!

gostei!

Anônimo disse...

Mto bom, difícil de analisar, mas cheio de arquétipos significativos de uma luta interna entre razão e libido e de uma letargia que se contrapõe a tudo, mas culmina num despertar gratificante, psicologicamente mto positivo.

Larica

Isaac Frederico disse...

também achei, arquétipos diversos, mas mais forte o gosto de um embate que (invariavelmente?) deixa o gosto e o tom ocre.
belo texto, bela dinâmica, bela proposta.

Heyk disse...

Sim, segunda leitura, feita de forma semi-legística. Enfim, aquelas visitas al Iml me fizeram muito bem.

Victão, cara, eu fiquei bobo e gostei muito.

De tudo, quê isso. Tem um bacanal de bichos, tem tudo. E outra, o cão que vc quer no final. Dez, cara. E eu li em voz alta, o que me ajuda muito a sentir, sou sonoro.

Aí mostro isso aqui, uma passagem estetacular de construção poética e sonora.

'e o desejo de permanecer sentado nesse estado estático prevalece, perturbador.'

Mas tudo é muito bom e não sei se já li um texto seu tão bom. E caramba, como tbm me parece que isso devirou da Maçã, cara. Deve ser doidera minha, sei lá. A coisa do Desejo. Tudo.

Valeu, irmão.

Valeu.